ENTREVISTA a PLATÃO

Extraído de As mulheres? Da sua emancipação
Colecção Os filósofos em questão
Entrevistas realizadas por Marc Sautet
Edições Jean-Claude Lattés
 
 
   



Vida de Platão
A Filosofia e o Feminino será tema de Colóquio, a realizar a 26 e 27 de Novembro - 1998, promovido pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. As ideias/objectivos estão enunciados num dos projectos de investigação do Centro de Filosofia. Para a pré-reflexão, fica este pequeno contributo d'O Canto.
 
  Descendente de uma prole de aristocratas atenienses, Platão nasceu à volta de –428, pouco tempo depois da morte de Péricles. A sua infância e adolescência decorreram em plena guerra do Peloponeso, enquanto Alcibíades, a quem o povo agora obedecia, conduzia a cidade em aventuras cada vez mais perigosas. Platão tinha 24 anos quando os Espartanos se apoderaram de Atenas, em –404, derrubando os Longos Muros que protegiam o acesso ao porto do Pireu, e confiando o poder aos Trinta Tiranos, aos quais pertencia um dos seus parentes próximos.

Após ter hesitado entre a carreira de autor trágico e a de homem político, Platão acabaria por optar pela filosofia depois do seu encontro com Sócrates. O restabelecimento da democracia não restitui a sua confiança no poder do povo, porque, quatro anos mais tarde, o seu mestre seria condenado à morte por blasfémia e corrupção da juventude. Fez contudo o serviço militar na época das campanhas de –395 –394 da guerra de Corinto. Depois resolveu viajar: primeiro para o Egipto (onde, à semelhança de Pitágoras fora iniciado nos mistérios), em seguida para a  Itália (onde criou laços de amizade com os pitagóricos), e por fim para a Sicília (onde ganhou para a filosofia o cunhado do tirano local). De volta a Atenas com a idade de 40 anos (em –388), fundou uma escola, a Academia, nos arredores de Colono. Durante vinte anos ali ensinou, sem problemas.

O fim da sua vida foi movimentado: chamado a Siracusa em –361, viu-se envolvido no meio das batalhas pelo poder, sem conseguir impor os seus pontos de vista. Retomou então o caminho de Atenas para reencontrar a paz. A morte acolheu-o por volta de –346, em pleno banquete.
 




  A sua obra
À excepção de uma colecção de cartas, a maioria das suas obras apresenta-se sob a forma de diálogos, tendo quase todos o nome de um dos protagonistas, tendo sido sem dúvida redigidos na sua Academia. Atribuem-se-lhe 35, desde a antiguidade alexandrina que se procura verificar a sua  autenticidade e fornecer a respectiva cronologia. Citamos:
Segundo Alcibíades, Hípias menor, Primeiro Alcibíades, Apologia de Sócrates, Críton, Êutifron, Laques, Cârmides, Lísis, Hípias maior, Ìon, Protágoras, Eutidemo, Górgias, Menéxeno, Ménon, Crátilo, Fedro, O Banquete, A República, Fédon, Teeteto, Parménides, O Sofista, O Político, Filebo, Timeu, Crítias, As Leis, Epínomis.

 




Um grupo de sombras aproxima-se

Marc Sautet: Mil desculpas, mas é com a sombra de Platão que eu procuro falar!

Uma alma: Eu sou um dos seus discípulos. Não se preocupe, ele vem já!

M.S.: Ainda o chamam com este nome, mesmo no Reino das Sombras?

A alma do discípulo: Isso parece surpreender-te?

M.S: Por aquilo que sei, “Platão” era apenas uma alcunha; foi-lhe atribuída por um professor de ginástica, que o distinguia dos outros alunos graças à sua largueza de ombros...  No reino dos mortos, continuam a chamá-lo “largo de ombros”?
 
A alma: Pois é! Isso ficou-lhe. Na verdade, ele chamava-se Aristócles, como o seu avô. O seu pai, esse, chamava-se Aríston... Os aristoícos, na Grécia eram “os melhores”, os descendentes dos senhores dóricos, dos aristocratas, descendentes dos Deuses do Olimpo: ele era dessa linhagem.

M.S: Ele teve contudo Sócrates por mestre, um homem do povo, filho de um cortador de pedras, e ele mesmo cortador de pedras, ao que parece. Como explicar esta humildade?

A alma: Não estava previsto. Não estando no seu lugar numa cidade onde o povo fazia a lei, ele preparava-se para ser dramaturgo, na esteira de Sófocles, e teria olhado a cidade sem complacência, como este o fez em Oedipous tyrannos...

M.S.: Édipo rei... 

A alma: Sim, se é assim que traduzis “tirano”... E depois ele encontrou Sócrates. Foi como se um raio o atingisse: compreendeu que tinha muito mais que fazer...

M.S.: E meteu-se na escola de um simples cortador de pedra!

A alma (obscurecida por uma alma imponente): Aqueles que cortam a pedra  fornecem os materiais para variados edifícios. Eles podem fornecer pedras para os pórticos dos comerciantes, ou para o tribunal onde o povo julga, mas podem também fornecer pedras para os templos que lembram aos homens vulgares a existência dos Deuses, ou dito de outro modo: dos seus antepassados.

M.S.: O que quer dizer que ele tentou virar as lições de Sócrates contra a democracia! 

Platão (majestoso): A democracia aparece quando os pobres, tendo conseguido a vitória contra os ricos, massacram uns, banem os outros, e partilham com os que sobram o governo e os cargos públicos. A partir daí, essas pessoas estão livres, a cidade transborda de liberdade e, falando francamente, temos permissão para fazer aquilo que queremos. 

M.S.: Não parece ter apreciado a liberdade. Como se pode achar a vida bela sem liberdade? Como se pode rejeitar o princípio democrático?

Platão: Há uma possibilidade de este regime ser o mais belo de todos. Como as roupas matizadas que oferecem toda a variedade de cores, oferecendo toda a variedade de caracteres, poderá parecer uma beleza acabada. Mas isso é um julgamento de pessoas que, parecidas com crianças e com mulheres, admiram a variedade de cores.( R. 557)

M.S.: Tradução: sem o saber aqueles que apreciam a democracia adoptam um ponto de vista de criança, ou de mulher! Eu compreendo a sua ironia quando se trata da criança: quer dizer que esta aspiração dos homens a fazerem aquilo que querem e a institucionalizarem através da democracia o que é pueril, o que é irresponsável, constitui uma fuga das responsabilidades que implicam o governo da cidade. Isto é contudo discutível, não é por causa deste assunto que eu desejava encontrar-vos hoje, mas justamente sobre as mulheres. Poderia falar-me mais sobre o assunto?

Platão: O sexo feminino é de sua natureza e na razão da sua fraqueza, mais inclinado que o nosso para o mistério e para a  astúcia.(Leis. 780)

M.S.: Que entende você por mistério e astúcia? É verdade que nas vossas epopeias e nas vossas tragédias abundam os exemplos: a astúcia de Penélope, que zombou dos seus pretendentes até ao regresso de Ulisses; a de Clitemnestra, que abriu os braços ao seu esposo Agamémnon para o matar com a cumplicidade do seu amante Egisto; a de  Electra, que deu o mesmo destino à mãe com a ajuda do seu irmão Órestes! 

Um aluno: “Enquanto o morto, que não é mais do que terra e nada, inconsolado descansa, e enquanto os outros pelo contrário não puderem pagar morto por morto, que ninguém me fale mais nem de honra nem de piedade neste mundo.”

M.S.: Pobre Electra! Em que embaraço os Deuses a prenderam! Como não compreender o seu gesto atroz? Em suma, na vossa mitologia a mulher está longe de possuir o monopólio da astúcia: não deve Ulisses a sua glória às suas astúcias, como a do cavalo de Tróia? E sobretudo, como não ver que para as mulheres se trata de situações excepcionais? Não será a mulher, geralmente, dotada de uma compaixão sem limites, de uma generosidade que faz inveja aos homens? Sendo também mais sensível à dor do outro, menos cruel, não constituirá ela uma força susceptível de fazer reinar a paz entre os homens?

Platão: A diferença evidente é que a mulher dá à luz enquanto que o homem engendra. (R. 454e).

 

Bibliografia
- La République, traduction Robert Baccou, GF,1966.
- Les Lois, traduction de Léon Robin et Joseph Moreau, Gallimard, Pléaïde.

Tradução de Celina Antunes (12º M)
Revisão e adaptação de  J. Costa
Arranjo gráfico de A.R.Gomes
   
 
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