Um grupo de sombras aproxima-se
Marc Sautet: Mil desculpas, mas é
com a sombra de Platão que eu procuro falar!
Uma alma: Eu sou um dos seus discípulos.
Não se preocupe, ele vem já!
M.S.: Ainda o chamam com este nome,
mesmo no Reino das Sombras?
A alma do discípulo: Isso parece
surpreender-te?
M.S: Por aquilo que sei, “Platão”
era apenas uma alcunha; foi-lhe atribuída por um professor de ginástica,
que o distinguia dos outros alunos graças à sua largueza
de ombros... No reino dos mortos, continuam a chamá-lo “largo
de ombros”?
A alma: Pois é! Isso ficou-lhe.
Na verdade, ele chamava-se Aristócles, como o seu avô. O seu
pai, esse, chamava-se Aríston... Os aristoícos, na
Grécia eram “os melhores”, os descendentes dos senhores dóricos,
dos aristocratas, descendentes dos Deuses do Olimpo: ele era dessa linhagem.
M.S: Ele teve contudo Sócrates
por mestre, um homem do povo, filho de um cortador de pedras, e ele mesmo
cortador de pedras, ao que parece. Como explicar esta humildade?
A alma: Não estava previsto.
Não estando no seu lugar numa cidade onde o povo fazia a lei, ele
preparava-se para ser dramaturgo, na esteira de Sófocles, e teria
olhado a cidade sem complacência, como este o fez em Oedipous
tyrannos...
M.S.: Édipo rei...
A alma: Sim, se é assim que traduzis
“tirano”... E depois ele encontrou Sócrates. Foi como se um raio
o atingisse: compreendeu que tinha muito mais que fazer...
M.S.: E meteu-se na escola de um
simples cortador de pedra!
A alma (obscurecida por uma alma imponente):
Aqueles que cortam a pedra fornecem os materiais para variados edifícios.
Eles podem fornecer pedras para os pórticos dos comerciantes, ou
para o tribunal onde o povo julga, mas podem também fornecer pedras
para os templos que lembram aos homens vulgares a existência dos
Deuses, ou dito de outro modo: dos seus antepassados.
M.S.: O que quer dizer que ele tentou
virar as lições de Sócrates contra a democracia!
Platão (majestoso): A democracia
aparece quando os pobres, tendo conseguido a vitória contra os ricos,
massacram uns, banem os outros, e partilham com os que sobram o governo
e os cargos públicos. A partir daí, essas pessoas estão
livres, a cidade transborda de liberdade e, falando francamente, temos
permissão para fazer aquilo que queremos.
M.S.: Não parece ter apreciado
a liberdade. Como se pode achar a vida bela sem liberdade? Como se pode
rejeitar o princípio democrático?
Platão: Há uma possibilidade
de este regime ser o mais belo de todos. Como as roupas matizadas que oferecem
toda a variedade de cores, oferecendo toda a variedade de caracteres, poderá
parecer uma beleza acabada. Mas isso é um julgamento de pessoas
que, parecidas com crianças e com mulheres, admiram a variedade
de cores.( R. 557)
M.S.: Tradução: sem
o saber aqueles que apreciam a democracia adoptam um ponto de vista de
criança, ou de mulher! Eu compreendo a sua ironia quando se trata
da criança: quer dizer que esta aspiração dos homens
a fazerem aquilo que querem e a institucionalizarem através da democracia
o que é pueril, o que é irresponsável, constitui uma
fuga das responsabilidades que implicam o governo da cidade. Isto é
contudo discutível, não é por causa deste assunto
que eu desejava encontrar-vos hoje, mas justamente sobre as mulheres. Poderia
falar-me mais sobre o assunto?
Platão: O sexo feminino é
de sua natureza e na razão da sua fraqueza, mais inclinado que o
nosso para o mistério e para a astúcia.(Leis. 780)
M.S.: Que entende você por
mistério e astúcia? É verdade que nas vossas epopeias
e nas vossas tragédias abundam os exemplos: a astúcia de
Penélope, que zombou dos seus pretendentes até ao regresso
de Ulisses; a de Clitemnestra, que abriu os braços ao seu esposo
Agamémnon para o matar com a cumplicidade do seu amante Egisto;
a de Electra, que deu o mesmo destino à mãe com a ajuda
do seu irmão Órestes!
Um aluno: “Enquanto o morto, que não
é mais do que terra e nada, inconsolado descansa, e enquanto os
outros pelo contrário não puderem pagar morto por morto,
que ninguém me fale mais nem de honra nem de piedade neste mundo.”
M.S.: Pobre Electra! Em que embaraço
os Deuses a prenderam! Como não compreender o seu gesto atroz? Em
suma, na vossa mitologia a mulher está longe de possuir o monopólio
da astúcia: não deve Ulisses a sua glória às
suas astúcias, como a do cavalo de Tróia? E sobretudo, como
não ver que para as mulheres se trata de situações
excepcionais? Não será a mulher, geralmente, dotada de uma
compaixão sem limites, de uma generosidade que faz inveja aos homens?
Sendo também mais sensível à dor do outro, menos cruel,
não constituirá ela uma força susceptível de
fazer reinar a paz entre os homens?
Platão: A diferença evidente
é que a mulher dá à luz enquanto que o homem engendra.
(R. 454e).
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