|
|
Giordano Bruno é um homem do Renascimento,
ou seja, integra-se num movimento cultural que conserva os resíduos
da filosofia da Idade Média mas que possui simultaneamente os gérmenes
dos tempos novos.
O seu pensamento filosófico assenta numa exaltação
da Natureza, diferenciando-se, porém, do naturalismo empírico
de Telésio e do naturalismo ocultista de Paracelso. Para GB, o universo
está penetrado da vida divina; não é uma coisa realmente
distinta de Deus, mas antes um espelho onde Deus se contempla. Deus é
infinito e o Cosmos, que é a manifestação da sua essência,
deve ser também infinito. A perfeição divina oferece-se
numa inumerável série de mundos. Deus é a natura naturans,
isto é, a verdadeira causa geradora do Universo, e este é
a natura naturata, ou seja, a totalidade dos efeitos possíveis.
A Natureza é distinta de Deus. Sem estar separada d'Ele, é
sua filha unigénita. Deus não é corpo nem é
espírito, mas sim a unidade ou o ser. Deus não é o
criador que tira o mundo do nada, não é a causa transcendente,
mas imanente, é a alma que vivifica o Cosmos, como o é em
relação ao nosso corpo a alma individual.
Em sua opinião, o único efeito digno de
uma causa infinita como é Deus é um Universo infinito. «A
extensão infinita», diz, «desde o momento que não
é uma magnitude, coincide com o indivíduo, e a multitude
infinita, porque já não é um número, coincide
com a unidade».
O Universo é, assim, uma explicatio, isto é,
um desenvolvimento mediante o qual o dinamismo divino se manifesta. Ora
bem, o processo pelo qual a inteligência humana se esforça
por compreender aquele desenvolvimento é um processo compositivo
(Deus é a complicatio omnium). GB coloca os sentidos num plano inferior,
já que os considera meras faculdades ligadas à matéria,
destinadas ao conhecimento do fugaz e passageiro, dos factos isolados,
do individual, do imperfeito. A razão, pelo contrário, aspira
ao absoluto, mesmo quando não pode alcançá-lo em si
mesmo. Deus, enquanto tal, é objecto de crença; é
compreensível (acessível) só como alma do mundo porque
só enquanto tal se revela à contemplação humana.
Para os sentidos, as coisas são, aparentemente,
diversas e múltiplas, mas para a razão, tudo é, na
realidade, uno; as coisas contrárias harmonizam-se; o defeituoso
e o incompleto desaparecem no seio da unidade absoluta. A evolução
do Universo é como um eterno devir que ascende desde as formas mais
imperfeitas para atingir as mais perfeitas, que passa da inércia
à vida, da vida à morte e assim eternamente sem cessar.
Dotado de uma poderosa imaginação e de uma
natureza profundamente apaixonada, a filosofia de GB é um reflexo
da sua vida. O carácter das suas doutrinas não varia; o mais
que consegue é tomar novos matizes segundo o curso das suas meditações
pessoais.
Profundamente inovador, ele foi um dos primeiros a defender
a Teoria de Copérnico, e se a sua cosmografia não é
geocêntrica, a sua concepção filosófica não
é antropocêntrica, mas teocêntrica.
Na sua obra «Acerca do Infinito, do Universo e dos
Mundos», Giordano Bruno escreveu acerca de si próprio e de
alguns dos seus contemporâneos a quem apelidou de «tristes
pedantes do século»:
«Se eu (...) manejasse o arado, apascentasse um
rebanho, cultivasse uma horta, remendasse um fato, ninguém faria
caso de mim, raros me observariam, poucos me censurariam, e facilmente
poderia agradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo da natureza,
atento ao alimento da alma, ansioso da cultura do espírito e estudioso
da actividade do intelecto, eis que me ameaça quem se sente visado,
me assalta quem se vê observado, me morde quem é atingido,
me devora quem se sente descoberto. E não é só um,
não são poucos, são muitos, são quase todos.
Se quiserdes saber porque isto acontece, digo-vos que a razão é
que tudo me desagrada, que detesto o vulgo, a multidão não
me contenta, e só uma coisa me fascina: aquela, em virtude da qual
me sinto livre em sujeição, contente em pena, rico na indigência
e vivo na morte; em virtude da qual não invejo aqueles que são
servos na liberdade, que sentem pena no prazer, são pobres na riqueza
e mortos em vida, pois que têm no próprio corpo a cadeia que
os acorrenta, no espírito o inferno que os oprime, na alma o error
que os adoenta, na mente o letargo que os mata, não havendo magnanimidade
que os redima, nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante,
nem ciência que os avive.»
400 anos de polémica
O
pensamento de Bruno
 
|