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Com
prazo de validade
textos/ideias, ao ritmo do programa de Introd. à Filosofia |
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Aqui serão
divulgados textos de apoio à disciplina de Introdução
à Filosofia, prevendo-se particular relevo para o 10º ano.
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Uma reflexão de Octavio Paz -- poeta mexicano, Prémio Nobel da Literatura. Faleceu a 19/4/98. |
A MORTE E O CONSUMO CIDADE do México, 1994. A maneira como morremos diz aquilo que fomos. A morte define a nossa vida. É um espelho que reflecte os gestos sem sentido dos vivos. A vida de cada um de nós — toda essa confusão de múltiplas acções, omissões, desgostos e esperanças que é a nossa existência — não encontra na morte um sentido ou explicação, mas um fim. A nossa morte ilumina a nossa vida. Se à nossa morte faltar sentido, é porque a nossa vida também não o teve. Cada um de nós morre da morte que procura, da morte que construiu para si próprio. A morte de um cristão ou a morte de um cão reflectem diferentes formas de vida. Hoje em dia, a morte não tem qualquer significado que a transcenda ou que a relacione com outros valores, como sucedia, por exemplo, no antigo México. Nesses tempos, a oposição entre vida e morte não era tão absoluta. A vida estendia-se para além da morte e vice-versa. A morte não era o fim natural da vida mas sim uma fase de um ciclo infinito. A morte, na sociedade de consumo dos nossos dias, é raramente algo mais do que a conclusão inevitável de um processo natural. Num mundo de factos, a morte é apenas mais um. Mas porque é um facto tão desagradável e contrário a todos os nossos conceitos, a filosofia do progresso ainda reinante pretende fazer desaparecer a morte, tal como o mágico faz desaparecer a moeda. Tudo na nossa sociedade de consumo funciona como se a morte não existisse. Ninguém a toma em consideração, é suprimida em toda a parte: nos discursos políticos, na publicidade comercial, nas séries de televisão e nos hábitos populares. Estes pensamentos atravessaram-me a mente pela primeira vez há alguns anos, quando reflectia no meu livro Labirinto de Solidão sobre o dia da Festa de Finados no México. Mas hoje sinto-os ainda mais verdadeiros. O materialismo consumista não só tentou suprimir a morte na sua perspectiva unidimensional do presente, como agora parece possuído por um desejo prometeico de «curar» a morte através da tecnologia. Isto parece-me a obsessão última do conceito de encontrar o «paraíso aqui e agora», uma versão barata do hedonismo, totalmente oposta ao hedonismo de Epicuro, que defendia a vida baseada nos prazeres dos sentidos, mas com pleno conhecimento e aceitação dos limites da vida. Ao mesmo tempo, esta tem sido a época da morte de massas. Neste século de Auschwitz, Hiroshima e Bósnia, ninguém pensa sobre a sua própria morte, como o poeta alemão Rainer Maria Rilke nos pedia que fizéssemos, já que ninguém vive uma vida que seja só sua. A morte, como o indivíduo, desaparece na corrida consumista para a felicidade, mesmo quando espreita sombria como uma realidade colectiva em holocaustos inexprimíveis. O medo faz-nos virar as costas à morte e, ao recusarmo-nos a contemplá-la, fechamo-nos à vida, que é uma totalidade que a inclui. No começo da sua Duino Elegy, Rilke diz que a «criatura», na sua condição de inocência animal, «contempla o espaço aberto». Isto é oposto àquilo que fazemos, já que nunca olhamos para o absoluto. O «espaço aberto» é onde os contrários se reconciliam, onde a luz e a sombra se fundem. Esta concepção devolve à morte o seu significado original: morte e vida são opostos que se complementam um ao outro. Cada um deles é metade de uma esfera que a nossa visão, fixada numa só dimensão do tempo e do espaço, não consegue alcançar. No mundo pré-natal, vida e morte estão fundidas; no nosso mundo, estão opostas; no além, reúnem-se de novo, não na inocência animal que precede o pecado e o conhecimento do pecado, mas na inocência recuperada. O homem, se conseguir desligar-se do imediato, pode transcender a oposição temporal que separa estas esferas e entendê-las como um todo superior. Tem de se abrir à morte se se quiser abrir à vida. Então será, segundo diz Rilke, «como os anjos». No seu poema «Muerte sin Fin», Jose Gorostiza fala-nos da sua prisão de aparências — para ele, as árvores e os pensamentos, as pedras e as emoções, dias, noites e entardeceres, são simples metáforas, meras fitas coloridas. O ar que define estas aparências e dá forma à matéria, avisa ele, é o mesmo ar que as corrói, as deteriora e aniquila. O poeta recorda-nos que uma civilização que nega a morte acaba por negar também a vida.
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é um projecto
de António R. Gomes
a tratar graficamente por Eduardo Ferrão, disponibilizado graças a Terràvista. |
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