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Agostinho da Silva

03/04/2000: por sugestão do professor Jerónimo Costa, com este texto recordamos a data da morte de Agostinho da Silva (a 3/4/2000)

TOLERÂNCIA


Agostinho da Silva, Textos e Ensaios Filosóficos I, Âncora Ed., Lisboa, 1999

Nenhum de nós poderá, num momento qualquer, garantir que a sua doutrina seja a que encerre a verdade; os desmentidos surgem a cada passo, as incertezas vão sendo mais fortes à medida que se penetra com maior informação e mais atenta inteligência no mundo que nos cerca; o afirmar categoricamente vai-nos aparecer ao fim de certo tempo tão absurdo como o negar categoricamente; a maior parte dos juízos que formámos reconhecemo-los errados, a maior parte das teorias que arquitectáramos ruíram sem remédio; há, ocultos no futuro, os factos que se preparam exactamente para nos vir desfazer a laboriosa construção; só a dúvida é boa companheira.

O que podemos é tomar certas hipóteses como mais ou menos prováveis; podemos joeirá-las no curso da razão e pôr de lado as que não resistam à prova; possuiremos sobretudo a verdade e iremos pelo recto caminho na medida em que nos submetermos à experiência e formos tão ágeis de entendimento e tão poderosos de vontade que nos não importemos de abandonar a mais bela das casas se ela se revelar desarmónica ante o mundo exterior; deixaremos Newton por Huyghens e possivelmente voltaremos a ele com a teoria nedelartig; somos como o Eremita para o qual o abandono da casca quer dizer crescimento; é com íntimo júbilo que ascendemos a nova escadaria.

Fórmulas, teorias e hipóteses nada mais são do que as sucessivas instituições de um mesmo fenómeno permanente e vivo: o impulso de pensar; devemos combatê-las quando se revelem gastas, mas impedir os retrocessos ao que por sua vez se revelou deficiente em anos já remotos; não é a construção de uma geometria ou de um sistema político o que define o homem; a sua natureza revela-se na tendência a construí-los; o resultado a que chegou interessa-nos apenas pelo que mostra de poder criador; por isso veneramos tudo o que morre; mas detestamos o que ressuscita; não nos agradaria viver em mundo povoado pelos fantasmas das baladas alemãs.

Para que os homens possam sentir-se felizes com a minha companhia, é necessário antes de tudo que eu tenha a grande força de ver como prováveis as opiniões a que aderiram, desde que as não venham contradizer os factos que posso observar; não devo supor-me infalível; não devo considerar-me a inteligência superior e única entre o bando de pobres seres incapazes de pensar; cumpre-me abafar todo o ímpeto que possa haver dentro de mim para lhes restringir o direito de pensarem e de exprimirem, como souberem e quiserem, os resultados a que puderam chegar; de outro modo, nada mais faria de que contribuir para matar o universo: porque ele só vive da vida que lhe insufla o pensamento poderoso e livre.
 
 
 

Agostinho da Silva, Educação de Portugal, Ulmeiro, Lisboa, 1990

"Creio primeiro, que o mundo em nada nos melhora, que nascemos estrelas de ímpar brilho, o que quer dizer, por um lado, que nada na vida vale o homem que somos, por outro lado que homem algum pode substituir a outro homem. Penso, portanto, que a natureza é bela na medida em que reflecte a nossa beleza, que o amor que temos pelos outros é o amor que temos pelo que neles de nós se reflecte, como o ódio que lhes sintamos é o desagrado por nossas próprias deficiências, e que afinal Deus é grande na medida em que somos grandes nós mesmos: o tempo que vivemos, se for mesquinho amesquinha o eterno."


 
 
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