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Preferindo, pode ler a versão original da entrevista (em espanhol).


sexta-feira, 29 de Janeiro de 1999
 
Última entrevista concedida por Torrente Ballester
 
 


«Dom Quixote é o único fantástico que há em Espanha»








A última entrevista de Torrente Ballester data de há um mês apenas. Alianza Editorial vai publicar proximamente uma colecção com todas as suas obras, e fez esta entrevista com fins  promocionais. As declarações de Torrente Ballester, que, pelo seu interesse, lhes oferecemos, resumem o seu credo de escritor, a sua ironia e o seu génio fabulador.


Torrente Ballester recibe el premio Cervantes de manos de Don Juan Carlos–O que é que pensa da recuperação das suas obras na colecção do Livro de Bolso da Alianza Editorial?

–Acho muito bem. Gosto muito da colecção.

–Porque é que escolheu a pintura de Goya para ilustrar as capas dos seus livros?

–É o pintor de que mais gosto, pelo contraste entre a seriedade da figura e a falta de seriedade do representado. Tentei que os quadros de cada tomo se adaptassem ao argumento da obra.

–Com qual das suas obras ficaria e porquê?

–Com «Fragmentos de Apocalipse», porque ainda não tem final. Ou talvez com «A Saga/Fuga de J. B.», por razões de perfeição estética. Ou com «Don Juan», porque é mais circular. Cada qual tem as suas preferências, e entre as preferências escolhe. Tudo depende da hora do dia em que se me faça essa pergunta.

–A reflexão sobre conceitos como ficção e realidade foi uma constante da sua obra. Como é que acha que deve conjugar esses dois conceitos um escritor dos nossos dias?

–Não acreditando neles. A explicação a essa pergunta seria muito extensa.

Indigestão de realismo

–No prólogo a «Don Juan» o senhor diz que o livro nasceu de «uma indigestão de realismo». A que é que se devia? O que é que procurava com essa obra? O que é que supôs partir de uma personagem de ficção? Acha que hoje vivemos também uma indigestão de realismo?

–A minha literatura pode-se dividir em duas partes. Estas partes estão marcadas por um romance no qual mais ou menos segui as pautas do século XIX (refiro-me à trilogia «Os Prazeres e as Sombras»). A seguir a esse romance pretendi fazer um romance diferente, e dessa pretensão saiu «A Saga/Fuga de J. B.», no qual há uma soma de elementos tradicionais com elementos absolutamente novos. «Don Juan» nasceu da «indigestão de realismo» que a trilogia supôs, ainda que tivesse havido necessidade de deitar mão a muitos elementos reais na sua composição. Hoje o que acontece é que há falta de imaginação, e não porque os escritores a não tenham, mas porque não a põem em prática. E a «indigestão de realismo» deve-se precisamente à falta de uso da imaginação.

–Hoje que se fala tanto de «realidade virtual», não é contraditório o escasso êxito do género fantástico na narrativa?

–Hoje fala-se de «realidade virtual» sem se saber o que é. Eu também não sei. A «realidade virtual» é uma fantasia a meias. A fantasia tem que reunir determinadas condições que a «realidade virtual» não tem. É certo que a narrativa fantástica na actualidade não tem êxito: não sei porquê. O que se acredita que seja «realidade virtual» não o é; é uma invenção. Se nos limitamos a Espanha, Dom Quixote é o único fantástico que há.

–Também a propósito de «Don Juan» o senhor escreveu que preferia chamar «história» e não «romance» a essa sua obra. Como qualificaria «A Saga/Fuga de J. B.» -- como história ou como romance? Que diferença estabelece entre ambos os conceitos?

–História. A diferença estriba na aproximação de cada uma delas à realidade: tudo depende das palavras. A relação da história e do romance com a realidade nunca se chega a estabelecer: é mais, ou menos, mas nunca uma quantidade determinada. Existe a palavra, existe a imagem, e existe o que está entre a palavra e a imagem. A quantidade e a qualidade da relação entre a palavra e a imagem depende do autor. O que eu ainda não tenho resolvida é a relação definitiva da realidade com a literatura. Para mim, até agora, a realidade não foi mais do que o lugar onde se acham e se encontram os materiais. Continuarei a investigar.

–O milénio está no fim. Como é que acha que será o romance no século XXI?

–Não gosto de fazer profecias. Sei lá...


tradução de António R. Gomes
© 1998 Prensa Española S.A. Reservados todos los derechos.
mocho, símbolo da Filosofia

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Dossier Torrente Ballester
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