Este artigo foi inserido em ligação
com o destaque do debate sobre A
Universidade e o desenvolvimento regional.
O autor, Francisco de Almeida, é
Professor. E viseense. |
UNIVERSIDADE PÚBLICA
DE VISEU
--simplesmente um caso de decisão
política
Sou um dos cidadãos do distrito de Viseu que decidiu promover
a apresentação à Assembleia da República de
uma petição onde se exige a criação da Universidade
Pública de Viseu. Após a divulgação desta petição,
que está a recolher milhares de assinaturas e um amplo apoio de
cidadãos, surgiram diversas movimentações que parecem
remar contra esta velha e justa aspiração dos viseenses.
Dizem alguns que Viseu não tem condições para suportar
uma universidade. Outros afirmam que mais vale um pássaro na mão
que dois a voar e que, portanto, há que aceitar a proposta da Universidade
de Aveiro no sentido de instalar na nossa cidade uma escola (talvez seja
um departamento, uma vez que a Univ. de Aveiro não está organizada
por faculdades). Suponho que na sombra outros estarão a fazer o
que podem para que tudo fique como está.
Pela minha parte, entendo que o caminho a percorrer deve ser o de forçar
uma iniciativa legislativa, no sentido de iniciar o processo de transformação
do ensino superior politécnico existente em ensino universitário
e a consequente criação da Universidade Pública de
Viseu. Nas próximas linhas tentarei dizer dos fundamentos desta
opinião.
1. O chamado sistema binário no ensino superior
( assente no ensino universitário e politécnico) está
a desaparecer por toda a Europa. Veja-se recentemente o caso do Reino Unido
e mesmo em Portugal registem-se as alterações à Lei
de Bases do Sistema Educativo que, em matéria de diplomas, conferem
ao ensino politécnico a possibilidade de organização
de licenciaturas (possibilidade que, com excepção de um ou
dois casos, os institutos politécnicos estão a utilizar).
2. Um estudo recente do Centro de Investigação
de Políticas do Ensino Superior (CIPES) demonstra que no ano 2000/2001
estarão a frequentar o 1º Ciclo do Ensino Básico 470.000
crianças e que destas, muito provavelmente, chegarão ao 12º
ano do Ensino Secundário cerca de 95.000. E isto o que quer dizer
? Muito simplesmente que: se 51% daqueles alunos do Ens. Secundário
(48.000) ingressarem no Ensino Superior ( foi a percentagem verificada
em 95/96 ), as universidades brevemente terão capacidade para aceitar
todos os candidatos – assim o indica o número de ingressos dos últimos
anos.
Ou seja, na primeira década do próximo século a
generalidade dos institutos politécnicos terão um elevado
número de cursos sem alunos, pela simples razão de que a
maioria dos mortais não faz um curso de engenharia no ensino politécnico
se o puder fazer numa universidade. Aliás, hoje, já há
muitos cursos do ensino politécnico sem candidatos.
O mesmo estudo aponta, entre outros, também para três aspectos
interessantes:
-
a)“No caso do politécnico público existe uma percentagem
significativa [de estudantes] que não está satisfeita, nem
com o curso nem com a instituição. Esta situação
é seguida pelos resultados disponíveis para o politécnico
privado. Deste modo, o politécnico assume-se como uma segunda escolha,
quer em termos de instituição, quer em termos de curso”;
-
b) Os alunos que escolheram o ensino universitário público
fizeram essa opção pela “qualidade e prestígio do
curso e da instituição”. No caso do ensino politécnico,
a opção dos estudantes fez-se maioritariamente por razões
de proximidade geográfica da sua residência e para reduzir
despesas. Ou seja, não fora a sua condição social
e teriam optado pela universidade – o sistema binário no ensino
superior é também discriminatório socialmente!
-
c) Ao contrário do que defenderam e defendem os promotores políticos
do ensino privado, é a escola pública que garante a diversificação
do sistema, quer em termos de cursos, quer em termos geográficos
(mais de 95% das escolas de ensino superior privado está no litoral,
sendo que 80% se localiza em Lisboa e Porto – 60% dos seus alunos frequentam
cursos de "ciências sociais e de comportamento, gestão e direito").
Estes números apenas confirmam o que já se sabia: a opção,
entre outros, de Roberto Carneiro, Couto dos Santos, Manuela Leite
e Marçal Grilo nada tem que ver com os interesses dos jovens e o
desenvolvimento do país; é, simplesmente, uma posição
ideológica.
3. A criação da Universidade Pública de Viseu
é simplesmente um caso de decisão política. Da mesma
forma que a criação de dois Institutos de Ciências
da Saúde não radica na necessidade de formar mais médicos
e outros técnicos de Saúde. Se essa fosse a necessidade a
que se pretendia responder, as actuais faculdades de Medicina resolveriam
o problema, talvez até de forma mais racional. Consulte-se a Resolução
do Conselho de Ministros nº 140/98 ( DR I Série B, de 4/12/98)
e constate-se que muitas das razões invocadas para a instalação
de um daqueles institutos na cidade da Covilhã repousam na opção
pelo desenvolvimento do interior do país. Ou seja, foi uma opção
política que esteve na base da decisão tomada.
4. A mais valia das universidades face ao ensino politécnico
reside na investigação produzida e na sua relação
com o desenvolvimento das regiões. Como é sabido, os institutos
politécnicos não estão vocacionados para produzir
investigação, nem podem concorrer aos diversos programas
nacionais e comunitários que a financiam.
5. A tendência europeia vai no sentido da existência
de universidades de pequena e média dimensão e do desenvolvimento
de redes de investigação - quem hoje se candidata a financiamentos
europeus neste domínio são associações de equipas
de investigadores de instituições independentes.
6. De um outro ponto de vista, tem que afirmar-se que a criação,
em Viseu, de uma escola da Universidade de Aveiro jamais trará para
a nossa região essa mais valia que resulta da investigação
e da sua relação com o tecido empresarial e a comunidade.
7. A instalação de uma escola da Universidade de
Aveiro na cidade de Viseu significa muito simplesmente que aquela prestigiada
universidade passará a ter aqui algumas salas de aula, voltadas
sobretudo para uns tantos mestrados e pós-graduações
(veja-se notícia do Diário Regional de Viseu de 4
de Fevereiro). Suponho que não é esta a aspiração
dos viseenses, nem será este o ensino superior que pode contribuir
para o desenvolvimento desta vasta região. Ou alguém supõe
que se trata de instalar cursos, por exemplo da área das engenharias,
ao lado da Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico
de Viseu ? E se é disso que se trata, que racionalidade é
esta?
8. Quem fala de uma escola da Universidade de Aveiro instalada
na cidade de Viseu e dotada de autonomia sabe certamente que aquela
universidade tem um único Conselho Científico, que os seus
departamentos têm relativa autonomia científica e que
nenhum tem autonomia financeira. Portanto, não tem sustentação
a opinião de que a referida escola pode ser o embrião da
Universidade Pública de Viseu.Quando algum dia se tratasse de avançar
na criação da universidade em Viseu, a tal escola e todo
o seu património pertenceria simplesmente à Universidade
de Aveiro. O que teria restado à nossa região? É que
a Lei da Autonomia das universidades confere-lhes autonomia financeira
e patrimonial (uma universidade pode, por exemplo, vender um imóvel
a um particular).
9. Como pode continuar a afirmar-se que o país não
tem lugar para mais universidades se, a cada passo, nasce mais uma
de iniciativa privada, com o aval e o apoio do Ministério da Educação
e do Governo?
Termino afirmando que, à cidade e à região de Viseu,
cabe reforçar e organizar o movimento de opinião que defende
a criação da universidade pública, no sentido de forçar
uma iniciativa legislativa que inicie o caminho da transformação
do ensino politécnico de Viseu em Universidade Pública de
Viseu. Já se conhecem movimentações de sentido semelhante
nos Institutos Politécnicos de Castelo Branco, Bragança e
Portalegre.
Será que por cá a subserviência partidária
vai continuar a sobrepor-se a tudo o resto ?
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