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Reproduzem-se aqui duas mensagens de Júlio Sameiro escritas para o grupo de estudos filosóficos Argumentos. Para informações sobre o grupo (e leitura do arquivo de mensagens), consulte a página web respectiva.
 
 

 

A LÓGICA FILOSÓFICA
 
Júlio SAMEIRO

Questão colocada ao grupo:

tendo-se a Matemática apropriado (?) da problemática lógica, não é tempo de [à semelhança do que aconteceu com outros domínios (modernamente, a Psicologia, por ex.)] a Lógica passar definitivamente a ser... (exclusivamente) matemática? no caso de a resposta ser negativa, que traços distinguem uma lógica... matemática de uma lógica... filosófica?

Essa pergunta é excelente. Aponto uma ramificação importante: A Lógica, como a Psicologia ou a Matemática, é uma ciência independente. Na Filosofia do Secundário não se estuda Psicologia ou Matemática. Justifica-se o estudo da Lógica no secundário? Se sim - porquê? como? etc

A prova de que essa pergunta é importante está no facto de a Lógica ter sido introduzida no programa em vigor (e no programa que aí vem) sem que essas perguntas tenham resposta (sem estudo prévio). O resultado é a aberração que se conhece. Partiu-se apenas de uma "impressão" de que a lógica devia ser útil e decidiu-se pôr lá qualquer coisa de lógica. Tratava-se de pôr lógica no secundário na condição de a) não desagradar aos professores que não estudaram lógica nos seus cursos nem nunca; b) não desagradar àqueles poucos professores que "gostam de fazer cálculos lógicos" e que até têm como argumento a seu favor o facto de praticarem uma lógica que... tem a ver com os computadores.

O expediente: para acalmar uns, enxerta-se de uma forma absolutamente acrítica uma opção de lógica como poderia aparecer num manual típico do séc XVIII a que levianamente se chama lógica clássica (horrorizando dessa maneira qualquer lógico produtivo do defunto séc xx); enxerta-se um pedaço de tabelas de verdade e cálculo de predicados para acalmar os outros.

As opções que podiam ser consideradas apenas expediente infeliz que abriu portas a puros erros científicos e a desastres pedgógicos levou, na revisão que vai entrar em vigor, um selo de garantia intelectual: as opções por expediente transformam-se em "paradigmas" e, portanto, os profs dirão *todos* umas coisas sobre retórica e escolherão o "paradigma aristotélico" e dão regras dos silogismos ou o escolhem o outro "paradigma" e dão umas tabelas de verdade!

Lamento dizê-lo mas a palhaçada intelectual parece-me evidente. As pessoas que falam de "paradigmas" para descrever traços da cultura referem-se a uma comunidade, a um conjunto de pessoas, instituições, teorias, métodos ou hábitos de trabalho com os quais se faz alguma coisa, se produz um certo tipo de resultados. Ora, não há um único lógico que tenha produzido alguma coisa no séc XX trabalhando a partir do tal paradigma aristotélico, isto é, de um manual de lógica do séc XVIII. Não há qualquer razão para admitir a existência de um paradigma aristotélico. Há apenas motivos para o fazer: sossegar a consciência filosófica e profissional de quem não sabe o que é a lógica e quer julgar que a sabe consultando a cartilha do séc XVIII.

A cura está nos cálculos, numas tabelas de verdade? Ridículo. Não vejo quem, no secundário, queira ensinar (ou aprender) cálculos para fazer... cálculos. (bem... há uma razãozinha perversa... enquanto ensina tabelas de verdade o prof sabe o que está a dizer e como avaliar os exercícios dos alunos). As tabelas de verdade só terão sentido no secundário como um meio. Para que fim? Nem no programa em vigor nem na sua revisão se vê como responder a esta pergunta. É apenas mais uma daquelas coisas que o aluno aprenderá sem saber para quê mas com a esperança de que mais tarde, na universidade, talvez, isso seja útil (de facto já poucos estudantes têm tal esperança, esta é mais dos profs e não só de filosofia a julgar pelas respostas que obtenho quando pergunto para que se ensina isto ou aquilo). De facto, se seguirmos fielmente o programa da dita Lógica Moderna, que supostamente reflectiria o progresso da lógica, teremos poucos ganhos: o aluno vê que há por ali alguma coisa de rigoroso apesar de não perceber muito bem o que é; e (este talvez seja um grande ganho) impede-se o aluno de pôr na cabeça aquela salgalhada de metafísica, epistemologia e lógica aristotélica da opção dita "Lógica Clássica". Pelo menos não se ensina com todo o aspecto de rigor uma teoria da origem dos conceitos que depois se vai desdizer, sem pestanejar, quando se fala de Piaget ou das teorias como ficções, ou do Kant...

Afinal, para que serve a lógica na Filosofia? e na Filosofia do secundário?

Depois do diagnóstico anterior, resta começar com a parte mais positiva. E para nos entendermos convém começar pelo acordo sobre o que se faz na lógica para depois vermos o que ela pode fazer na Filosofia do Secundário.

A lógica estuda a validade da argumentação. Por "argumentar" não se pode entender, como acontece em muitos manuais, uma coisa oposta à demonstração. O termo engloba tudo aquilo onde a questão da validade está em questão. Estuda, portanto a validade de tudo a que chamamos provas, demonstrações, justificações, defesa de ideias e semelhante.

Infelizmente mal damos este passo topamos com uma confusão espalhada nos manuais: uma mal amanhada oposição entre argumentação (que seria objecto da retórica) e demonstração (que seria objecto da lógica). Boa parte desta trapalhada arruma-se com o seguinte argumento: nenhum pedaço da retórica pode explicar a validade de um pedaço de discurso com a forma:

Se A, então B. Ora, A ou C. Não-C. Logo, B.

A retórica não pode explicar porque C deriva daquelas premissas. Não sendo esse o seu objectivo não o poderia fazer. Porque carga de água o faria? O retórico pode querer explicar outras coisas. Pode pegar num pedaço de discurso que tenha aquela forma e tentar explicar porque *motivo* foi ou não convincente na situação tal. A lógica não tem nada a ver com isso. Se perguntamos "deriva esta afirmação daquelas afirmações?" estamos no domínio da lógica; se não, não.

Segunda confusão (que acompanha a anterior).Existem perguntas sobre valores ou, em geral, sobre as nossas premissas básicas (princípios) a que respondemos com bases incertas. Se discutimos tais respostas, estamos no terreno fluido do plausível, do verosímil e não no terreno do que pode ser demonstrado. Conclusão: não estamos no terreno da lógica que só procede do que é seguro ao que ela assegura por passos seguros. Tolices inseguras. Se discutimos, derivamos afirmações de afirmações. Certo? As afirmações são bem ou mal derivadas. Certo? E foram de facto bem ou mal derivadas? A lógica o dirá e só a lógica. Quanto aos *motivos* que nos fazem aderir a uma afirmação, bem ou mal derivada (justificada, provada, demonstrada, defendida...), a psicologia, retórica e outras coisas dirão.

Estamos entendidos. A lógica trata da validade da argumentação e é insubstituível nesse papel. Isto é claro. Certo?

Infelizmente não é claro para o meu filho. À pergunta "O que é a lógica?" respondeu no teste: " A lógica é a ciência da linguagem e do pensamento" e não teve zero, teve apenas um ligeiro incompleto! Infelizmente nem sequer se tratou de um daqueles casos habituais em que os professores, no desejo de salvar alguns alunos e obter uma percentagem não catastrófica de reprovações, dá alguns valores ao aluno por ele ter conseguido a admirável e cada vez mais rara proeza de escrever uma frase completa e sem erros de ortografia. Ele teve 15 no teste e, portanto, podia muito bem ter apanhado com o zero naquela resposta. Ele teve cotação na pergunta porque repetiu bem algumas daquelas tolices que se vêem nos manuais (e, vá lá, nem sei como não disse que a lógica é a arte de pensar). Enfim: o 15 num teste de lógica típico não reflectirá tanto saber como o zero?

Este texto tem, como pano de fundo, a UNIDADE LÓGICO-ARGUMENTATIVA: O UNIVERSO DA LÓGICA (do programa de Introdução à Filosofia - 11º ano).
Consulte-a aqui.

 
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