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Pretexto
para a reprodução deste texto: a rubrica Alguns
modelos explicativos do conhecimento da 2ª unidade do programa do
11º ano de Introdução à Filosofia. A referida
rubrica está aqui; toda a unidade,
aqui.
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Síntese de Ensaio
sobre o Entendimento Humano
Esta obra é uma reflexão sobre a origem das ideias e dos
conhecimentos humanos, ao mesmo tempo que sobre os fundamentos metafísicos
da racionalidade. A unidade destas duas problemáticas é
necessariamente contraditória na perspectiva do empirismo
que Locke inaugura, e de que este ensaio
é um marco miliário. Além disso, a parada das interrogações
lockianas ultrapassa a dimensão metafísica ou gnosiológica:
a moral, a religião, a teologia, encontram-se igualmente renovadas. O empirismo de Locke começa por uma crítica da teoria das
ideias inatas, aquela que o cartesianismo tinha formulado levando-a sem
dificuldade a um grau de perfeição dificilmente ultrapassável
(livro l). Locke pretende mostrar que o pôr em causa o inatismo
não arruina de modo nenhum o valor objectivo das ideias (particularmente
no domínio moral). Não existem ideias inatas no espírito
humano, é a famosa "tabula rasa". O livro II expõe a génese das ideias complexas a partir
das ideias simples. Estas podem ter por origem a sensação
(é o caso das qualidades sensíveis ou do espaço),
a reflexão, ou a intervenção combinada de ambas.
No exame do valor objectivo dessas ideias, Locke distingue as qualidades
primeiras (que pertencem realmente aos corpos) das qualidades segundas
(que apenas existem no sujeito que percebe). Passivo na recepção das ideias simples, o espírito
é activo na formação das ideias complexas. Essa formação
pode realizar-se segundo três modalidades de associação:
combinação, junção, abstracção.
Daí resultam três espécies de ideias complexas: modos,
relações e substâncias. Conhecer é, então, aperceber entre as ideias relações
de conveniência ou de não conveniência. Locke analisa
as possíveis combinações das diversas relações,
assim como os diversos graus de conhecimento que daí decorrem.
Por exemplo, as ideias matemáticas ou morais, não remetem
para nada diferente delas próprias, não têm que se
conformar com uma realidade exterior; o conhecimento adquire, então,
a sua certeza da evidência intuitiva ou da demonstração.
Quanto aos conhecimentos que remetem para realidades fora de nós,
só a experiência pode assegurar-nos da sua objectividade. A reflexão lockiana sobre a génese das nossas ideias e
dos nossos conhecimentos desemboca no exame das funções
da linguagem (livro III) e sobre o estudo crítico dos poderes do
entendimento humano (livro IV). Nenhum conhecimento legítimo lhe
é permitido em certos domínios: a infinidade, a eternidade
e, por consequência, a divindade. A teologia é, pois, desqualificada
e também a metafísica visto que o nosso entendimento não
tem qualquer acesso à essência real das coisas. Não
nos é permitido afirmar, por exemplo, que a substância espiritual
é distinta da matéria; Deus tinha podido muito bem dar a
esta a faculdade de sentir e de pensar. A influência do Ensaio sobre o Entendimento Humano foi imensa.
Não poderíamos sublinhar o suficiente a importância
que este livro teve para o Século das Luzes, que fez dele o paralelo
filosófico da obra científica de Newton. Traduzido desde
1700 por Pierre Coste, exerceu, em França, em Voltaire e nos enciclopedistas
uma influência profunda e durável. Viu-se em Locke aquele
que restabelecia os direitos da análise e da observação,
após um século de domínio do espírito de sistema
(o dos grandes metafísicos do século XVII: Descartes, Malebranche,
Espinosa, Leibniz, que, no entanto, influenciaram, eles próprios,
as Luzes). Nos Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano, Leibniz
criticava vivamente o empirismo lockiano. À ideia de «tábua
rasa», opunha a fórmula: «Não existe nada no
entendimento que precede os sentidos, a não ser o próprio
entendimento.» Mas a morte de Locke dissuadiu Leibniz de publicar
os Novos Ensaios. Edição portuguesa Ensaio sobre o Entendimento
Humano (2 vol.), Fundação Calouste Gulbenkian, 1999
©Fev/2002 |
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