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Chagall-Amantes em verde
 
 

Com este texto celebrámos o dia dos namorados de 2003.

O AMOR

Não é fácil explicar em poucas palavras as razões porque se aprecia o amor; no entanto vou tentar fazê-Io. Em primeiro lugar, o amor deve ser apreciado — e esta razão, embora não seja a de maior importância, é essencial a todo o resto — como sendo em si mesmo uma fonte de prazer.

Oh! amor! muito te injuriam
Os que dizem que a tua doçura é fel,
Quando o teu rico fruto é tal
Que nada pode ser mais doce.

O autor anónimo destas linhas não procurava uma solução para o ateísmo, nem uma chave para os enigmas do universo; procurava apenas a sua satisfação íntima. E não somente o amor é uma fonte de prazer, mas também a sua ausência é origem de sofrimento. Em segundo lugar, o amor deve ser apreciado porque dá realce aos melhores prazeres da vida, tais como o ouvir música, o assistir ao nascer do sol nas montanhas, o ver a luz do luar espelhada sobre as águas. Um homem que nunca gozou a contemplação das coisas belas na companhia da mulher amada, nunca sentiu plenamente o poder mágico que dessas coisas se desprende. Além do mais, o amor pode quebrar a dura concha do Eu, pois é uma forma de cooperação biológica, na qual as emoções de cada um são necessárias à satisfação dos propósitos instintivos do outro.

Têm existido no mundo, em várias épocas, diferentes filosofias de solitários, umas mais nobres do que outras. Os estóicos e os primitivos cristãos pensavam que o homem podia realizar o supremo bem que a vida humana é capaz por meio da sua própria vontade, sozinho, ou pelo menos sem outra ajuda humana; outros encararam o poder como a finalidade da vida e para outros ainda essa finalidade resumia-se aos prazeres pessoais. Todas estas filosofias são filosofias de solitários na medida em que o bern se supõe ser realizável em cada pessoa separadamente e não apenas numa sociedade maior ou menor de indivíduos. Em minha opinião, tais ideias são falsas, não só consideradas como teoria de moral, mas também como expressão do que há de melhor nos nossos instintos.

O homem depende da cooperação e foi dotado pela natureza, um pouco imperfeitamente é certo, com o aparelho de instintos que pode gerar a necessária tendência para essa cooperação. O amor é a primeira forma e a mais comum da emoção que a ela conduz e os que alguma vez sentiram o amor com intensidade não podem contentar-se com uma filosofia que lhes diz que os seus mais altos interesses são independentes dos da pessoa amada. A este respeito, o amor dos pais pelos filhos é certamente o mais poderoso, mas esse sentimento será ainda maior se resultar do mútuo amor dos pais. Não pretendo que o amor sob a sua forma mais elevada seja coisa comum, mas afirmo que sob essa forma revela valores que sem ele ficariam ignorados e mantenho que tem por si próprio uma importância que não é atingida pelo cepticismo, embora os cépticos, que são incapazes de o sentir, possam atribuir falsamente essa incapacidade ao seu cepticismo.

(Bertrand RUSSELL - A conquista da felicidade. Lisboa: Guimarães Editores, [s.d.], p. 39-42)

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