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José Gomes Ferreira
foto retirada de um artigo do diário de notícias, arquivado no site do Instituto Camões, onde se noticia a reedição dos históricos "Poesia I, II e III" de J. G. Ferreira.

 
 

 

JOSÉ GOMES FERREIRA

 
CARLOS DE OLIVEIRA

O Aprendiz de Feiticeiro
 

O aparecimento de José Gomes Ferreira na literatura portuguesa deu um impulso novo ao problema da «sinceridade», que nele como em Fernando Pessoa, por exemplo, é um problema de fundo.

Pessoa disse: «o poeta é um fingidor». E a partir deste velho conceito assim reformulado, fingiu, entre outras coisas, a existência de mais três ou quatro poetas: os célebres heterónimos. Cada heterónimo fingiu, por sua vez, um estilo próprio, uma técnica inconfundível de levar a cabo o fingimento que é toda a poesia. Porém, no processo de Pessoa, há qualquer coisa ainda (pudor, comedimento, preconceito?) que o impede de abrir de lado a lado a porta da oficina. Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Álvaro de Campos, transformados em criadores independentes, tomam o papel a sério. Nunca mostram o jogo, rodeiam de segredo o seu trabalho poético. Fingem que não fingem.

Com a Poesia-I de José Gomes Ferreira, surge finalmente o «falsificador» convicto, que não se serve de comparsas e assume a responsabilidade de todas as contradições e paradoxos. Ao desdobramento de Fernando Pessoa para fingir melhor, que é ainda uma forma de autodefesa literária, prefere José Gomes Ferreira que tudo lhe recaia nos ombros (num único estilo, num único nome). Pessoa é o mestre da «mise en scène»: actores, subtilíssimas cortinas, etc. A mágica resulta em cheio, mas há nos bastidores uma presença invisível, tutelar. José Gomes Ferreira está sozinho no palco. Sem ajudantes nem ensaios prévios, faz o seu número de prestidigitação. O espectador pode vê-lo reinventar o riso, a cólera, a ternura. Deixar cair de quando em quando uma ou outra máscara acidental e tropeçar para apanhá-la. Desgrenhar-se. Gritar, murmurar, trocar o passo. E soluçar, se for preciso. É o «one man band». O artista solitário, que constrói e destrói a própria solidão, pedindo a cumplicidade da plateia (vejam como isto se fabrica) e manejando ao mesmo tempo a imprecação, a metáfora torrencial, os comícios políticos e existenciais, o contraponto do monólogo em voz baixa, os dísticos para despistar (ou talvez não).

Evidentemente, a importância de José Gomes Ferreira não se resume à simples coragem de escrever em público. Melhor: essa coragem é um gesto denso de implicações, pressupostos, consequências. Para compreendermos bem os pormenores e o significado do espectáculo, que o poeta envolve num halo feérico de espanto, tomemos nota do seguinte:

a) o surrealismo, o neo-realismo e certo existencialismo é ele que os antecipa entre nós;

b) a sua obra galvaniza numa percepção originalíssima da modernidade vários fios condutores que vêm de trás e estabelece a mais complexa rede de energia poética que circula em versos portugueses de hoje:

c) verso a verso, poema a poema, série a série, os volumes da Poesia comentam a época tumultuosa que vivemos e as suas zonas de paz pobre, podre, com a exuberância dum panfleto, enquanto algures, na misteriosa ambiguidade em que se movem os artistas maiores, «um pássaro qualquer» essencialmente «canta, explica as flores»;

d) certos momentos mais intensos amplificam esta voz da Terra, mas nada lhe responde: estamos cercados por astros silenciosos e indiferentes;

e) não esquecer, enfim, que a prosa de José Gomes Ferreira (vagabundagens, invenções, memórias, diários verdadeiros ou imaginados, um admirável romance para crianças grandes e pequenas) é o prolongamento da sua poesia. O mesmo toque chaplinesco, a mesma descoberta do «irreal quotidiano», o mesmo sobressalto diante das estrelas.


  • De José Gomes Ferreira e para comemorar o 25 de Abril, o Canto publicou (inserido num conjunto de poemas sob o título A cor da liberdade), o poema Ah! Como te invejo.
  • Uma das mais conhecidas canções heróicas de Fernando Lopes Graça tem poema de J. Gomes Ferreira: Acordai. Encontra-a aqui (em formato mp3, 1.91MB).
  • O conhecido poema Autopsicografia de F. Pessoa (cujo 1º verso é o citado "O poeta é um fingidor") encontra-se aqui.

 


 
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