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Montaigne
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 
MONTAIGNE, Michel de





Filósofo francês (n. castelo de Montaigne, no Périgord, 1533 - m. ibid., 1592). Seu pai, Pierre Eyquem, homem de cultura, era descendente de família vinda de Portugal, onde fizera fortuna com o comércio de peixe. Sua mãe, Antoinette de Loppes, ou Louppes, era de cepa israelita e seus ascendentes tinham vindo de Portugal, fugindo a perseguições. A educação de Montaigne foi orientada por seu pai: até aos seis anos o latim foi a única língua permitida, depois estudou o francês, o grego, as línguas estrangeiras e a História. Em Toulouse estudou Direito e aí conheceu Étienne de la Boétie, com quem se liga por uma profunda amizade, e que morreu prematuramente. Até aos seus últimos dias M. lamentará a morte do amigo. Durante 12 anos desempenhou o cargo de conselheiro do Parlamento de Bordéus. Entre 1580 e 1581 realiza uma viagem pela Alemanha e pela Itália, que descreve em Journal de voyage. Foi amigo e conselheiro de Henrique IV, embora não aceitasse oficialmente este cargo por questões de saúde. A sua vida decorre quase sempre no castelo de Montaignne, onde mandou instalar, no andar cimeiro da torre, uma sala de estudo (a livraria). Aí lê e medita os autores antigos. Por volta dos 40 anos começa a compor os seus Ensaios, obra da sua vida, cuja primeira edição data de 1580 e corresponde apenas a parte do texto actual, o da edição póstuma de 1595. 

M. não elaborou uma filosofia em sentido estrito, ou seja, uma construção mental, rigorosamente fundamentada, constituindo um sistema. A meditação de M. processa-se em sereno colóquio consigo mesmo. Os Essais denomina-os um livro de boa fé, que não se pode elogiar nem censurar em si mesmo: o autor encontra-se ligado estritamente ao livro. Do pensamento da antiguidade, os cépticos e os estóicos impressionaram-no fortemente. Por outro lado, é testemunho da transformação do saber e pergunta a si mesmo se a nova ciência, que se está elaborando e invalidando a tradicional, não virá a ser ultrapassada por uma nova que a destrua. As grandes descobertas geográficas revelam povos e costumes diversos, mas nessa diversidade parece haver algumas crenças muito semelhantes às das nações cristãs. É crível que haja algumas leis imutáveis, mas estão perdidas para o homem, que apenas vive no reino do relativo. Este cepticismo, porém, é temperado pela sua fé católica. Admite que, para Deus, haja verdade. Simplesmente, a razão divina e a razão humana apenas têm de comum um nome. Esta última é discursiva e debalde tenta, como razão teórica, apresentar as razões das coisas. Como razão prática, porém, é faculdade de vida, fundamento de toda a conduta ordenada. Graças a ela podemos, em princípio, dar a nós próprios e aos outros as razões das nossas condutas. É na Apologia de Raimundo de Sebond (Essais, I, XIII) que se apresenta mais sistematizado o cepticismo de M. quanto à possibilidade do conhecimento e da captação do ser. Abstraindo do ponto de vista da religião, considerando apenas "o homem, sem socorro alheio, armado unicamente com as suas armas e desprovido da graça e conhecimento divinos, que é toda a sua força e o fundamento do seu ser", começa por descrever o nada do orgulho humano, a pretensa superioridade sobre os animais; o nada da ciência, pois esta não nos torna nem mais felizes nem melhores; o nada da razão humana e dos sentidos, como faculdades do conhecimento, concluindo que "nós e o nosso conhecimento e todas as coisas naturais vão fluindo e rolando imparavelmente". Salvo Deus, que só pela graça divina nos é revelado, "nada há que verdadeiramente seja". 

A vida humana aspira à felicidade, mas o grande obstáculo é a morte. Como poderá o homem ser feliz, sabendo que vai morrer? A filosofia vai ser para M. um meditare mortem, não negador da vida, mas admirando-se, a cada momento, do dom da existência, cheio de reconhecimento por essa dádiva divina. 

M. sofreu também a influência dos estóicos e da literatura cristã, denunciando a vaidade de todas as guerras e perseguições, penetrado por um sentimento profundo da unidade do mundo e da analogia que aproxima todos os homens no que toca aos sentimentos fundamentais. Deste modo, "o Montaigne céptico encontra-se com o pensamento da Igreja do seu tempo, que é o de unir todos os povos pela caridade" (Rivaud). 

OBRAS: A primeira ed. dos Essais (1580) continha apenas os dois primeiros livros; 1888 (5.ª ed.), manuscrito de Bordéus, que é um exemplar da ed. de 1588, com correcções e acrescentamentos de Montaigne, editada por Strowski (ed. municipal de Bordéus, 1906-1920) ; Oeuvres completes de Montaigne, editadas por Armaingaud, 12 vols., Paris, 1924-1928; Essais, ed. P. Villey, 3 vols., Paris, 1922; Essais, ed. J. Plattard, Paris, 1931 ; Oeuvres completes, ed. R. Barral e P. Michel, pref. de A. Maurois, Paris, 1967. 

BIBLIOGRAFIA: F. Strowski, Montaigne, Paris, 1906, (2ª ed., 1931); J. Plattard, Montaigne et son temps, Paris, 1933 ; P. Villey, Montaigne devant la posterité, Paris, 1935; L. Brunschwicg, Descartes et Pascal, lecteurs de Montaigne, Neuchâtel, 1945; P. Moreau, Montaigne, l'homme et l’oeuvre, Paris, 1953 ; R. Popkin, The history of scepticisme from Erasmus to Descartes, Assen, 1960; H. Friedrich, Montaigne, Bern/Munique, 2ªed., 1967; M. Baraz, L’être et la connaissance selon Montaigne, Paris, 1969; M. Dreano, La religion de Montaigne, Paris (reed.), 1969; P. Burke, Montaigne zur Einfuhrung, Hamburgo, 1985; J. Starobinski, Montaigne. Denken und Existenz, Munique/Viena, 1986.

(Carlos Pitta - in Logos, verbete Montaigne)



 
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