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O
original deste texto foi publicado em Discovering Reality, 1983,
pp. 149-164. (N. do T.)
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UM
PARADIGMA FILOSÓFICO:
Pensa-se frequentemente que há atributos, ou tipos de comportamento, bons para um sexo e maus para outro. A agressividade é um exemplo particularmente interessante de um tal atributo. Este artigo investiga e critica um modelo de metodologia filosófica que adopta uma visão positiva sobre o comportamento agressivo e o usa como paradigma na argumentação filosófica. Mas, antes de abordar um tal paradigma, quero pôr em questão uma visão mais genérica da agressividade, visão que lhe permite ter conotações positivas. Definida como «uma acção ou procedimento ofensivo, e, particularmente, como um ataque hostil aberto, não provocado e culpável», a agressão bem tem merecido, de costume, conotações negativas. Talvez que uma imagem típica da agressão seja a de um animal na selva tentando conquistar o território de um outro, ou atacando-o para o comer. Em contextos humanos, para a agressão é invocada frequentemente a fúria, a acção descontrolada e a beligerância. Todavia, este conceito negativo, quando ligado a elementos do sexo masculino como tais, ou a trabalhadores de certas profissões (comércio, gestão, direito, filosofia, política), recebe com frequência associações positivas. Numa sociedade civilizada, a agressão física é de molde a levar alguém à prisão ou a uma instituição psiquiátrica. Mas não se pede aos machos e aos trabalhadores de certas profissões que ataquem fisicamente ou comam os seus clientes ou colegas, por forma a que sejam considerados agressivos. Nestes contextos a agressividade é pensada em relação com conceitos mais positivos, tais como poder, activismo, ambição, autoridade, competência e eficiência -- conceitos que, naquelas profissões, se relacionam com sucesso. E a exibição de tais qualidades positivas é tomada como evidência de que alguém é, ou foi, agressivo. A agressividade pode não ter implicações causais na competência, superioridade, poder, etc., mas, se muitas pessoas pensarem que o comportamento agressivo é um sinal de tais propriedades, então talvez alguém se tenha que forçar a aprender a comportar-se agressivamente, com vista a aparecer como competente, a parecer superior e a ganhar ou manter poder. Isto coloca um dilema a quem quer que seja que queira ter aquelas qualidades positivas, sem desejar comprometer-se com «ataques hostis abertos, não provocados e culpáveis». Como agressoras, mesmo que relutantes, as pessoas do sexo masculino estão em vantagem sobre as do sexo feminino, pois nas primeiras a agressividade é considerada «natural». Mesmo que não adoptem comportamentos agressivos, ainda assim podem ser tomadas como possuindo esse traço, inerentemente, como uma disposição. E, se se comportarem agressivamente, o seu comportamento pode ser desculpabilizado -- afinal sempre é natural. Uma vez que às mulheres não se atribui a mesma disposição, parece que estas teriam de se comportar, de facto, agressivamente, se quiserem que delas se pense que são agressivas. Por outro lado, dado que não se espera agressividade da parte das mulheres, somos muito mais sensíveis a comportamentos agressivos vindos delas, ao mesmo tempo que ignoramos exemplos de agressividade bem mais gritantes nos homens, só porque estes não são inusitados. Vindos do lado feminino, são considerados tanto mais desagradáveis quanto nos podem parecer não naturais. Alternativamente, pode bem acontecer que uma mulher que mostre competência, energia, ambição, etc., seja considerada agressiva e, portanto, não natural, mesmo se não se comportar agressivamente. E dado que -- é o que defenderei -- o comportamento agressivo não favorece as amizades nem a influência sobre as pessoas, pelo menos ao modo como a gostaríamos de exercer, tudo isto se coloca como um problema especial para as mulheres. Algumas feministas desprezam a distinção sexual que vê como qualidade negativa a agressividade numa mulher e, assim, encorajam as mulheres a comportarem-se agressivamente, de modo a promoverem as suas carreiras. Eu, em vez disso, vou pôr em questão o pressuposto de que a agressividade merece ser associada a qualidades mais positivas. Penso que é um erro supor que uma pessoa agressiva é provavelmente mais enérgica, eficiente, competente, poderosa e mais bem sucedida e -- erro também -- supor que uma pessoa eficiente, enérgica, etc., é, portanto, agressiva. Mesmo aqueles que objectam à estereotipificação dos papéis sexuais raramente se detêm especificamente sobre o pressuposto de que as pessoas mais agressivas estão mais bem preparadas para «serem os ganhadores da vida e desempenharem o papel activo na produção de bens da sociedade», detendo-se apenas no pressuposto de que a agressividade é mais natural num sexo do que noutro [1]. Robin Lakoff assume que um discurso mais agressivo é simultaneamente mais eficaz e tipicamente masculino, e põe objecções ao modelo de socialização que interdita questões e afirmações directas, esvaziadas de frases polidas, no discurso das mulheres [2]. Lakoff reconhece que o discurso que ela caracteriza como feminino é frequentemente usado por membros masculinos do meio académico, mas ainda assim pressupõe que o discurso agressivo é mais poderoso e eficiente. Ela não vê que o discurso suave e polido, cheio de hesitações e qualificadores, pode ser sinal de grande poder, e ser muito eficaz em dar a impressão de grande ponderação e deliberação, ou em captar um auditório para o lado pretendido. Apesar de um discurso suave e polido poder ser mais eficaz e ter mais poder que um discurso agressivo, a fusão conceptual da agressividade com conceitos positivos tornou difícil o reconhecimento desse facto. Considerem-se algumas situações profissionais em que a agressividade pudesse ser tomada como um trunfo. A agressividade é frequentemente equacionada com a energia, mas pode-se ser enérgico e trabalhar muito, sem hostilidade. Pode parecer que a agressividade é essencial onde há competição, mas as pessoas que apenas tentam fazer o seu melhor, sem tentarem deliberadamente prejudicar outrem, podem ser igualmente capazes ou mesmo melhores. Os sentimentos de hostilidade podem ser distractivos, e o objectivo de derrotar outros pode desviar-nos, com vantagem para uma terceira parte envolvida na competição. Mesmo aqueles que pensam que vivemos num mundo cão concedem que há diferença entre agir para derrotar ou subverter a competição e agir agressivamente para a competição. Especialmente se o nosso sucesso depender de outros, é provavelmente mais inteligente parecer amigável do que entrar em comportamentos agressivos. E, em profissões onde a mobilidade é um sinal de sucesso, os concorrentes de hoje podem ser os colegas de amanhã. Portanto, se a agressão favorece inimizades, como parece ser o seu desígnio, ela é uma má estratégia nestas profissões. E que dizer de outras actividades profissionais? Os modos amigáveis, afectivos e não antagonizantes certamente que não interferem com a capacidade de persuadir clientes a comprar, empregados a cumprirem conscienciosamente as directivas, ou com a capacidade de convencer jurados, ensinar alunos, obter ajuda e cooperação de colegas de trabalho, e promoções do patrão. Nestas actividades é mais provável que os modos agressivos se revelem um obstáculo. Se estas considerações
nos tornaram mais aptos a distinguir a agressividade da competência
profissional, terão então servido de útil introdução
ao objectivo principal deste ensaio: investigar um paradigma de filosofia
que, talvez iludido pela fusão entre agressividade e competência,
incorpora a agressão na sua metodologia. ARGUMENTAÇÃO CIENTIFICAHouve um tempo em que se pensava que as asserções científicas eram, ou deveriam ser, objectivas e não valorativas; que as expressões de valor eram distinguíveis das expressões de facto, e que a ciência se deveria confinar a estas últimas. Renunciou-se a uma tal visão, com relutância, por parte de alguns, quando se reconheceu que as teorias incorporam valores, porque advogam uma forma de descrever o mundo em detrimento de outras, e que mesmo as observações de facto são feitas a partir de algum ponto de vista ou teoria sobre o mundo, já pressuposta [3].Ainda que favorável à distinção facto-valor, Popper reconheceu que os enunciados científicos invocaram valores, acreditando todavia que a argumentação na ciência era objectiva e não valorativa [4]. Popper defendeu que o modo primordial de argumentação na ciência é dedutivo. As teorias na ciência propõem leis da forma «todos os As são Bs», e a tarefa da investigação científica é encontrar ou provocar instâncias de A, e ver se elas falham em produzir ou correlacionar-se com instâncias de B. O teste de uma teoria era o da sua subsistência às tentativas de a falsificar. Uma boa teoria encoraja tais tentativas, propondo asserções, de preferência de âmbito amplo e inesperadas a asserções de âmbito mais limitado e esperadas. Se a ocorrência de instâncias de B falhar, sendo dadas instâncias de A, então a teoria é falsificada. Uma nova teoria que dê conta da não ocorrência de B, exprimindo-se ainda em termos dedutivos, substituiria a velha teoria. Os procedimentos usados na descoberta de teorias, o modo como uma teoria se relaciona com modelos fisicos ou matemáticos ou outras crenças, não eram considerados elementos essenciais à ciência. Veio entãoKuhn defender que mesmo a argumentação usada na ciência não é livre de valorações, ou certa [5]. A ciência envolve mais do que um conjunto de generalizações independentes sobre o mundo, à espera de serem falsificadas por uma contra-instância singular. Envolve um sistema, ou «paradigma», não apenas de generalizações e conceitos, mas de crenças sobre a metodologia e critérios de avaliação da investigação: sobre o que são boas questões, o que sejam desenvolvimentos adequados de uma teoria, ou métodos de investigação aceitáveis. Uma teoria substitui outra, não porque funcione, com sucesso, como premissa maior num maior número de deduções, mas porque responde a algumas questões que a outra teoria não responde -- mesmo que possa não responder a algumas questões a que a outra responde. As mudanças de teoria ocorrem porque uma teoria satisfaz mais do que outra, porque as questões a que dá resposta são consideradas mais importantes. A investigação feita sob um paradigma não é feita para falsificar uma teoria, mas para preencher e desenvolver conhecimento para o qual o paradigma fornece um quadro de trabalho. O procedimento envolvido no desenvolvimento e substituição de um paradigma não é simplesmente dedutivo, e não existe, provavelmente, uma caracterização única adequada de como tal procedimento funciona. Isto não significa que ele seja irracional, ou não mereça ser estudado, mas apenas que não existe uma caracterização universal simples do que seja uma boa argumentação científica. Esta visão da ciência,
ou outra do mesmo tipo, é agora amplamente sustentada pelos filósofos.
Sugeriu-se, entretanto, que também a filosofia é governada
por paradigmas. A ARGUMENTAÇÃO FILOSÓFICA -- O PARADIGMA ADVERSARIALVou criticar um paradigma, ou parte de um paradigma, em filosofia[6]. Trata-se do ponto de vista, agora rejeitado, da argumentação científica como não valorativa, aplicado à argumentação na filosofia. Segundo um tal ponto de vista, toda a argumentação filosófica é, ou deveria ser, dedutiva. Fazem-se asserções de carácter geral e a tarefa da investigação filosófica é encontrar contra-exemplos para tais asserções. E, mais importante ainda, a empresa filosófica é vista como um debate desapaixonado entre adversários que tentam defender os seus próprios pontos de vista contra os contra-exemplos, e produzir contra-exemplos contra os pontos de vista opostos.O procedimento usado para se chegar a produzir tais asserções e a forma pela qual elas se relacionam com outras crenças e sistemas de ideias não são aspectos considerados relevantes para a argumentação filosófica, se não forem de natureza dedutiva. Chamar-lhe-ei paradigma adversarial. Sob o paradigma adversarial assume-se que a única ou, de qualquer modo, a melhor maneira de avaliar trabalho em filosofia é submetê-lo à mais forte e extremada das oposições. E assume-se que a melhor maneira de apresentar um trabalho filosófico consiste em dirigi-lo a um opositor imaginado, reunindo toda a evidência possível que sustente o trabalho. A justificação para este método é a de que uma posição deveria ser defendida da -- ao mesmo tempo que sujeita à -- crítica da mais forte oposição; que este método é a única via para se obter o melhor de ambas as partes; que uma tese que sobrevive a este método de avaliação é mais provavelmente correcta do que uma tese que o não consiga; e que uma tese submetida ao método adversarial terá passado um teste «objectivo», o teste máximo possível, ao passo que qualquer crítica ou processo de avaliação mais fraco dará, comparativamente, vantagens à asserção a ser avaliada e, portanto, não é tão objectivo quanto o poderia ser. Obviamente, admitir-se-á que o método adversarial não garante que todas e apenas as boas asserções filosóficas sobreviverão, mas isso deve-se apenas a que mesmo um adversário nem sempre pensa em todos os aspectos criticáveis numa posição, nem o seu proponente pensa sempre em todas as respostas possíveis às críticas feitas. Porém, uma vez que não há forma de determinar com certeza o que é boa e má filosofia, o método adversarial é o melhor. Se se pretende que a filosofia seja objectiva, dever-se-á preferir o método adversarial a outras formas mais subjectivas de avaliação, que darão tratamento preferencial a algumas asserções, não as submetendo a testes adversariais extremos. Os filósofos que aceitam o paradigma adversarial em filosofia podem reconhecer que a argumentação científica é diferente, mas pensam: «Tanto pior para a ciência. Pelo menos a filosofia pode ser objectiva e não valorativa.» É este o paradigma filosófico que me proponho criticar. A minha objecção ao método adversarial é ao seu papel como paradigma. Se se tratasse apenas de um procedimento entre muitos outros para uso dos filósofos, não haveria talvez nada de muito importante a objectar, salvo que as condições de hostilidade não são, provavelmente, adequadas à produção do melhor argumento. Mas quando ele domina a metodologia e a avaliação na filosofia, restringe e representa impropriamente o que é a construção de argumentos filosóficos. Disse-se, a respeito da ciência,
que a crítica de um paradigma, mesmo quando credível, não
obterá sucesso, a menos que haja um paradigma alternativo disponível
para o substituir [7].
Mas a situação em filosofia é diferente. Não
se trata de termos de esperar que se desenvolva uma forma alternativa
de argumentar. A argumentação não adversarial existe,
quer dentro quer fora da filosofia, mas o actual paradigma não
a reconhece. DEFEITOS DO PARADIGMA ADVERSARIALA defesa do método adversarial identifica crítica adversária com avaliação severa. Se a avaliação não for adversarial, assume-se que é mais fraca e menos eficaz. Defenderei que um tal quadro é erróneo.Em momentos tão recuados da história da filosofia como o de Platão, reconhecia-se já que, por forma a que um debate ou discussão tivesse lugar, alguns pressupostos deviam ser partilhados pelas partes envolvidas [8]. Não é possível um debate entre pessoas que discordam em tudo. Não só têm que concordar sobre o que deve contar como um bom argumento, sobre o que é aceitável a título de dados relevantes e sobre como decidir quem é o vencedor, como devem partilhar algumas premissas, por forma a que o debate possa começar. O método adversarial funciona melhor se os desacordos forem isolados, sobre uma asserção ou argumento particulares. Mas asserções e argumentos sobre coisas particulares raramente existem isoladamente. São usualmente parte de um sistema de ideias interrelacionadas. Sob o paradigma adversarial acontece encontrarmo-nos a tentar discordar de um sistema de ideias, a partir de cada asserção ou argumento, à vez. Premissas que, de outra forma, poderiam ser rejeitadas têm que ser aceites, quanto mais não seja temporariamente, para que o debate seja possível. Temos que enfrentar os nossos oponentes nos seus próprios termos. E, de modo a criticarmos cada asserção individualmente, uma de cada vez, temos que aceitar provisoriamente a maior parte das ideias com as quais estamos, na maior parte dos casos, em desacordo. Um tal método pode distorcer a apresentação da posição oponente e produzir um desenvolvimento do pensamento artificialmente lento. Acresce que, quando é todo um sistema de ideias que está envolvido, como é muitas vezes o caso, um debate que termine pela derrota de um argumento, sem alteração no sistema conjunto de ideias do qual aquele argumento era parte, apenas provocará um mais forte apoio a outros argumentos que resultam na mesma conclusão, ou inspirará emendas no argumento que o ilibem das objecções postas. Mesmo que todo o sistema de ideias tenha sido desafiado, o seu abandono é improvável sem um sistema alternativo que lhe tome o lugar. Uma conclusão sustentada pelo argumento em questão pode permanecer incólume depois da derrota desse argumento. Para se alterar uma conclusão, talvez fosse mais adequado ignorar a confrontação em pontos particulares, não fornecendo contra-exemplos, por muito fácil que seja encorajá-los, mas, em vez disso, mostrar como é que outras premissas e outros dados suportam um sistema de ideias alternativo. Se nos restringirmos ao método adversarial, poderemos ter que suspender a avaliação do sistema de ideias, por forma a encontrarmos um fundamento comum para o debate. E a crítica adversarial de alguns argumentos pode apenas reforçar o apoio a outras ideias do sistema, ou inspirar revisões de natureza paliativa e meros ajustamentos. Além do mais, o paradigma adversarial permite que se isentem à crítica asserções, em filosofia, que não estão devidamente elaboradas, que são «programáticas». Mas qualquer tese propriamente filosófica é programática, na medida em que terá implicações que vão para além da própria tese. Só que as asserções que se tornaram populares em filosofia apresentam-se particularmente em estado de esboço e asseguram a sua imunidade face à crítica, sob o paradigma adversarial, porque os seus detalhes não estão projectados. Uma asserção programática oferecerá alguns exemplos que a ela se conformam, juntamente com uma previsão de que, com algumas modificações (é claro), uma teoria pode ser desenvolvida no quadro por ela proposto, cobrindo todos os casos. Os contra-exemplos não conseguem refutar estas asserções porque as objecções serão normalmente afastadas como meros aspectos a serem considerados posteriormente, quando todos os detalhes estiverem projectados. As asserções programáticas proliferam na filosofia, particularmente na epistemologia e na filosofia da linguagem. Tornou-se um hábito em muitos artigos filosóficos consumirem-se quase só explicando e argumentando contra outras asserções e, por fim, oferecerem uma asserção programática ou conjectura própria, como alternativa, sem qualquer apoio ou elaboração (talvez se trate do início de um novo paradigma crescendo a partir de uma deficiência nos procedimentos de avaliação do paradigma adversarial). Algumas asserções
programáticas que já foram, em tempos, muito populares,
estão agora em descrédito, como é o caso das teorias
sobre dados dos sentidos (sense data theories), não porque
se tenham provado erradas, mas talvez mais porque não tiveram êxito
-- nunca ninguém elaborou os seus detalhes e/ou as pessoas perderam
a esperança de algum dia o virem a fazer. 0 método adversário
permite que as asserções programáticas mantenham
viabilidade na filosofia, por muito pouco esboçadas e implausíveis
que sejam, desde que não sejam refutadas. MÁ INTERPRETAÇÃO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIAEm qualquer paradigma que nos situemos, podemos reinterpretar a história e rever as posições dos primeiros filósofos. Com o paradigma adversarial, compreendemos os primeiros filosófos como se eles se dirigissem a adversários, em vez de neles vermos uma tentativa de construção dos fundamentos da argumentação científica ou de explicação da natureza humana. Os filósofos que não podem ser ressituados no modelo adversarial são normalmente ignorados [9]. Mas as nossas reinterpretações podem ser más interpretações, e a nossa eleição dos grandes filósofos pode ser baseada, não tanto no que eles disseram, como no modo que julgamos ter sido o que eles adoptaram para dizerem o que disseram.Uma das vítimas do paradigma adversarial é tida usualmente por modelo de argumentação adversarial: trata-se do método socrático. O método socrático é frequentemente identificado com élenchos, um método de discussão concebido para conduzir a outra pessoa a admitir que os seus pontos de vista estão errados, para a fazer sentir o que às vezes se traduz por «vergonha», outras por «humildade». Élenchos é de costume traduzido por «refutação», mas tal tradução é enganadora, porque o sucesso do que assim é designado depende da capacidade de convencer a outra pessoa, e não consiste em mostrar-lhe que os seus pontos de vista estão errados, aos olhos de terceiros. Ao contrário do método adversarial, a justificação do élenchos não é a de que ele submete asserções à mais extrema das oposições, mas a de que desacomoda as pessoas das suas mais prezadas convicções, por forma a que possam iniciar o inquérito filosófco mais abertas. O objectivo do método adversarial, em contrapartida, é mostrar que a outra parte está errada, desafiando-a em qualquer ponto possível, a despeito da outra pessoa concordar ou não. De facto, muitos filósofos contemporâneos evitam tecer considerações sobre como convencer, supondo que isso está relacionado com a produção de falácias ou maus argumentos. Em geral, a incapacidade de vencer um debate público não é uma boa razão para se desistir de uma crença. Pode-se antes atribuir a derrota ao mau desempenho nesse debate, em vez de a imputar à inadequação da própria tese. Uma derrota pública pode até fazer-nos sentir mais fortemente ligados à posição defendida, à qual a oposição não faz justiça. Assim, o método adversarial não é uma boa via para convencer alguém que não concorda connosco. O élenchos, por outro lado, é concebido com esse único propósito. Procuram-se premissas que a outra pessoa aceitará, e isso mostrará que a sua crença original era falsa. A discussão requer aceitação, por ambas as partes, de premissas e argumentos. É claro, é sempre possível usar o élenchos ao serviço do paradigma adversário, para ganhar um ponto em vez de convencer. E muitos pensaram ter sido isso que Sócrates fazia, que o seu estilo era insincero e irónico [10], que as suas críticas eram desapiedadas e os seus louvores sarcásticos. Mas, de facto, o método de Sócrates é o contrário de o de um questionador hostil ou antagonista, nos diálogos [11]. Sócrates graceja frequentemente no início de um diálogo ou quando a outra parte resiste à discussão, e as graças encorajam a discussão, o que não seria o caso se elas se fizessem à custa do orador [12]. Quando Sócrates recebe recusas ou respostas zangadas, isso acontece quando foram abaladas ideias que são muito estimadas, e não como resultado de algum tratamento adversário, por parte de Sócrates [13]. Sócrates evita dar opiniões àquela que está em discussão, a menos que esta tenha sido aceite demasiado facilmente, sem adequado exame. O seu objectivo não é contradizer, é mostrar às pessoas como pensarem por si próprias. Tomámos o élenchos
por um duelo, um debate entre adversários, mas tal interpretação
não é consistente com a evidência fornecida pelos
diálogos. Suspeito que a razão pela qual tomámos
o método de Sócrates pelo método adversarial, e consequentemente
compreendemos erradamente o seu tom como sendo o de um polemizador insincero
e irónico, em vez de ser o de um professor generoso e bem-disposto,
é a de que, sob a influência do paradigma adversarial, não
fomos capazes de reconhecer a filosofia sendo feita de uma outra forma
qualquer. RESTRIÇÕES DE TEMAS FILOSÓFICOSO paradigma adversarial afecta os tipos de questões levantadas e determina o que sejam respostas aceitáveis. Isto é evidente em praticamente todas as áreas da filosofia. Os únicos problemas reconhecidos são os que se colocam entre opositores, e a única espécie de argumentação considerada é a da certeza da dedução, dirigida à oposição. O paradigma tem uma forte e óbvia influência na forma como os problemas são consignados.Por exemplo, na filosofia da linguagem, as propriedades investigadas são analisadas, quando possível, em termos de propriedades que possam ser submetidas ao raciocínio dedutivo. A teoria semântica rodeou as questões de sentido, convertendo-as em questões de verdade. O sentido é discutido em termos de consequências dedutivas das frases. Não perguntamos o que diz uma frase, mas o que é que ela garante, o que é que dela podemos deduzir. As relações entre ideias que afectam o sentido ou são assimiladas ao modelo dedutivo ou ignoradas [14]. Na filosofia da ciência, a reivindicação de que a argumentação científica não é essencialmente dedutiva conduziu a «acusações de irracionalidade, relativismo e populismo» [15]. Uma argumentação não dedutiva não é sequer considerada argumentação. Pensa-se que quaisquer razões, para serem boas razões, têm de ser dedutivas e certas. Em ética, uma consequência deste paradigma é a de se partir do pressuposto de que tem de haver um único princípio moral supremo. Porque a argumentação moral pode ser o resultado de princípios morais diferentes, que podem produzir pretensões conflituais sobre o que é certo fazer, torna-se necessário um princípio moral supremo para «julgar racionalmente [isto é, dedutivamente] entre diferentes moralidades em competição» [16]. A relação entre princípios morais e decisões morais é pensada como sendo de ordem dedutiva. Um princípio moral supremo permite-nos deduzir, a partir dos factores relevantes, o que é certo ou errado. Com mais do que um princípio permitir-se-ia, tal como sucede se partirmos de premissas diferentes, a dedução de juízos conflituais. As possibilidades que se nos oferecem adjudicar entre orientações morais conflituais sem o recurso à dedução, que haja problemas morais que não sejam o resultado de conflitos entre princípios morais e que possa haver dilemas morais para os quais não há soluções garantidas, nada disso é considerado. Há uma «refutação» padrão do egoísmo que pretende que o egoísmo não conta como teoria ética e, portanto, não é digno de consideração filosófica, porque um egoísta não advogaria o egoísmo para os outros (não desejaria que os outros também fossem egoístas). Assume-se que apenas sistemas de ideias que podem ser abertamente proclamados e debatidos devem contar como teorias, ou como filosofia. É de novo o paradigma adversarial a funcionar, autorizando apenas os sistemas de ideias que podem ser advogados e defendidos, e negando que a filosofia possa examinar um sistema de ideais por si mesmo, e pelas suas conexões com outros sistemas [17]. Há pressupostos em metafísica e em epistemologia segundo os quais a língua é necessária para pensar, raciocinar, para qualquer sistema de ideias. Nega-se que criaturas sem língua possam ter pensamentos, possam imaginar alguma coisa, porque o único tipo de raciocínio reconhecido é o raciocínio adversarial e, para isso, é precisa a língua [18]. No paradigma adversarial não tentamos avaliar posições ou teorias na base da sua plausibilidade, mérito ou mesmo popularidade. Em vez disso, espera-se que consideremos e, portanto, honremos posições que sejam preferencialmente dissemelhantes das nossas, por forma a mostrar que podemos fazer face às suas objecções. E assim encontramos teorias morais dirigidas e egoístas [19], teorias do conhecimento destinadas aos cépticos. Uma vez que a oposição mais extrema pode constituir-se na negação da existência de alguma coisa, consome-se muita energia filosófica argumentando a favor da existência de certas coisas, e nunca chega a ser formulada qualquer teoria sobre a natureza das coisas em causa. Há abundância de argumentos tentando provar que o determinismo é falso porque existe livre-arbítrio, mas, em contrapartida, não são dadas razões positivas, explicando, em termos de acaso e indeterminismo, o que seja o livre-arbítrio. Os filósofos debatem e fazem reviver velhos argumentos sobre a existência de Deus, mas deixam de lado todas as discussões sobre a presuntiva natureza de Deus para as seitas e ordens religiosas. A filosofia, por dar atenção
a posições extremas só porque são extremas,
apresenta um quadro distorcido sobre o tipo de posições
que são dignas de atenção, prestando indevida atenção
e publicidade a determinadas posições, apenas por se tratarem
de posições de um adversário hipotético, ignorando
eventualmente outras que fazem asserções mais válidas
e mais interessantes. O PARADIGMA PRODUZ MAUS ARGUMENTOSPartiu-se erradamente do princípio de que qualquer que fosse a argumentação aceite por um adversário, desde que o fosse, ela seria uma boa argumentação em todas as outras circunstâncias [20]. O paradigma adversarial aceita apenas o tipo de argumentação cujo objectivo é convencer um oponente, ignorando tipos de argumentação que possam ser usados noutras circunstâncias: quando tentamos imaginar para nós próprios qualquer coisa, quando discutimos com pessoas cujas posições são afins das nossas, quando queremos convencer pessoas indiferentes ou não comprometidas com nenhuma postura em especial. As relações de ideias usadas para chegar a uma conclusão podem muito bem ser diferentes das relações de ideias necessárias para defender essa conclusão face a um adversário. E aquilo que distingue as relações de ideias nos dois casos não é apenas menos raciocínio envolvido, ou um menor número de passos no argumento, no primeiro caso, mas tais relações devem ser, em determinadas situações, linhas de pensamento muito diferentes.Como ilustração, consideremos o argumento do contra-exemplo, que é tão eficaz quando se trata da defesa das nossas conclusões contra um adversário. Quando um adversário se concentra em certos aspectos de um problema, podemos partir de tais aspectos para construir um contra-exemplo. Para construir um contra-exemplo, precisamos de abstrair as características essenciais do problema e encontrar um outro exemplo, uma analogia, que possua aquelas características, mas que seja suficientemente diferente e claro para ser desapaixonadamente considerado em separado do tópico em questão. A analogia deve ser capaz de mostrar que os efeitos alegados das características essenciais não são procedentes. Mas para chegarmos a uma conclusão sobre tópicos morais ou teorias científicas ou juizos estéticos poderemos ter que considerar todas as características importantes e as suas interacções. E construir uma analogia com todas as características e interacções, que não seja parte do tópico em questão, pode revelar-se uma empresa impossível. Qualquer exemplo com todas as características importantes pode ser apenas um outro exemplo do problema em questão. Se construímos uma analogia usando apenas algumas das características importantes, ou ignorando as suas interacções, uma decisão nela fundada pode ser má argumentação. Ignoraria aspectos importantes do problema. Considere-se uma obra do paradigma adversarial, a excelente Uma Defesa do Aborto, de Judith Thomson [21]. Diz Thomson: certo, aceitemos todas as premissas dos apólogos do «direito à vida». Suponhamos, por razões de argumento, que um feto é uma pessoa, e mesmo uma pessoa talentosa. E então ela mostra por um contra-exemplo que, daí, não se segue que o feto tenha direito à vida. Suponhamos que acordamos um dia de manhã e descobrimos que estamos conectados a um violinista talentoso (porque ele tem uma doença de rins rara, e só nós temos o tipo de sangue certo) e a Sociedade dos Amantes da Música pôs-nos atarrachados um ao a outro. Ao protestarmos, eles dizem: «Não se preocupe, são apenas nove meses e, depois, ele ficará curado. E você não o pode desatarrachar, agora que a ligação foi feita, se não ele morre.» Então, diz Thomson aos apólogos do «direito à vida», é claro que temos o direito de o desatarrachar. Se se tratasse de um período de tempo mais curto, digamos, nove minutos, em vez de nove meses, talvez fôssemos execráveis se não permanecêssemos atarrachados, mas mesmo assim teríamos o direito de fazer o que quiséssemos com o nosso corpo. A analogia do violinista vai ao encontro do ponto principal, e Thomson explica isso comparando o direito de cada um sobre o seu corpo com o direito de propriedade (direito que os apólogos do «direito à vida» certamente não negarão). O nosso direito de propriedade não cessa porque alguém dela necessita, mesmo se dela necessita para permanecer com vida. O argumento usando um contra-exemplo é tão eficaz contra os adversários como qualquer outro argumento poderia ser, e, portanto, um bom método de argumentação no interior da tradição adversarial. Usam-se as premissas que o adversário aceitaria -- direito de propriedade, o feto como pessoa -- e mostra-se que a conclusão -- que «desatarracharmo-nos» do feto é errado -- não é procedente. Em geral, para levarmos os adversários podemos abstrair as características que eles reivindicam como sendo importantes e construir um contra-exemplo com aquelas mesmas características, mas no qual a conclusão que eles pretendem não se sustenta. Tudo o que Thomson tentou foi mostrar que o aborto não seria errado só porque o feto é uma pessoa [22]. Ela não mostrou que o aborto seria, ou não, errado. Há muitos aspectos, para além do carácter pessoal do feto, que são importantes para as pessoas que têm de tomar uma decisão sobre o aborto: que ele é o resultado de um acto sexual e que, portanto, a culpa, a responsabilização ou a lealdade face às consequências são questões pertinentes; que os efeitos apenas sucedem às mulheres, o que contribui para manter o poder de uma minoria numa posição sem poder; que o embrião em desenvolvimento pode ser geneticamente semelhante a outros que são amados; que o resultado poderia ser uma criança desamparada trazida a uma situação sem saída; que um tal nascimento poderia trazer vergonha e miséria a outros. Há muitas questões ligadas a sistemas conjuntos de ideias que precisam de respostas, sempre que o aborto se transforma numa questão individual: quais são as nossas responsabilidades em evitarmos que a vergonha e a miséria caiam sobre outros -- pais, amigos, outras crianças, futuros amigos e futuras crianças? Quando é que os deveres para com amigos se sobrepõem aos deveres de outra espécie? Como é que ser uma pessoa decente se relaciona com o evitar situações intoleráveis -- dependência, ódio, ressentimento, mentira? Há uma série de raciocínios morais sérios quando um indivíduo tem de tomar uma decisão sobre o aborto, e as decisões tomadas são enormemente variadas. Mas este tipo de argumentação tem sido amplamente ignorado pelos filósofos, porque se trata de uma argumentação diferente da usada para nos dirigirmos a um adversário e é demasiado complexa e inter-relacionada para ser avaliada por contra-exemplos. Um bom contra-exemplo é aquele que ilustra um problema geral incidente sobre um princípio ou asserção geral. A argumentação a partir de contra-exemplos pode ser usada para descartar certas alternativas, ou pelo menos para mostrar que os argumentos correntes para as apoiar são inadequados, mas não constrói alternativas ou expõe que princípios são aplicáveis em certas situações. Os contra-exemplos podem mostrar que argumentos determinados não apoiam a conclusão, mas não fornecem nenhuma razão positiva para a aceitação de uma conclusão, nem podem mostrar como é que uma conclusão está relacionada com outras ideias. Se a argumentação
contra-exemplificativa não é uma boa via para se alcançarem
conclusões sobre questões complexas, mas uma boa via para
construir argumentos para derrotar adversários, então deveríamos
cuidar de ter isso em mente quando fazemos filosofia. Em vez disso, a
maior parte das vezes apresentamos argumentos adversários como
se eles fossem a única forma de argumentar. O paradigma adversarial
impede-nos de ver que os sistemas de ideias que não são
dirigidos a um adversário podem ser dignos de estudo e desenvolvimento
e que a argumentação adversarial pode ser incorrecta em
contextos não adversariais. Como é que a filosofia seria afectada se nos libertássemos do paradigma adversarial? Qualquer paradigma em filosofia restringirá a forma como se avalia a argumentação. Defendi que não apenas o paradigma adversarial ignora algumas boas formas de argumentação, mas também não consegue avaliar e até encoraja algumas formas de má argumentação. Todavia, a crítica do paradigma adversarial não é suficiente: precisamos de alternativas. Um dos problemas com um paradigma realmente firmado é o de que se torna difícil conceber como operar sem ele. Que outro método existe, de facto, para avaliar filosofia, se não for o método adversarial? Uma via alternativa para avaliar argumentações, já usada na história da filosofia e na história das ciências, é considerar como uma argumentação se relaciona com sistemas mais vastos de ideias. A questão a ser posta não é apenas: «Deve o argumento, tal como ele se apresenta, ser considerado válido?», mas também: «Quais as premissas mais plausíveis que fariam deste argumento um bom argumento?», «Por que é que este argumento é importante?», «Como é que a sua forma e conclusão se adequam a outras crenças e padrões de argumentação?». Por exemplo, podemos não considerar apenas se as provas cartesianas da existência de Deus são válidas, mas que boas razões existem para provar a existência de Deus; como é que o conceito cartesiano de Deus está relacionado com o seu conceito de causação e matéria. Podemos examinar a influência da metodologia e instrumentação de um campo científico no desenvolvimento de um campo relacionado [23]. Com uma tal abordagem, relações de ideias que não são dedutivas também podem ser avaliadas. Podemos olhar para a forma como as visões do mundo se relacionam com posições filosóficas diferentes sobre o livre-arbítrio e o determinismo, sobre a racionalidade e os valores éticos, sobre as distinções pretendidas entre mente e corpo, o eu e os outros, ordem e caos. Uma segunda via para tratar sistemas de ideias envolve uma ainda maior deslocação em relação ao paradigma adversarial. Pode mesmo ter que implicar uma deslocação do nosso próprio conceito do que é argumentar, antes de ser aceite. É que a experiência pode ser um elemento necessário em certos processos argumentativos. Enquanto muitos filósofos reconhecem que diferentes crenças em factos e, portanto, premissas básicas podem nascer de experiências diferentes, crê-se, por outro lado, que as discussões filosóficas procederiam como se a experiência não desempenhasse nenhum papel essencial nas posições filosóficas que mantemos. A experiência pode ser necessária para resolver conflitos factuais, mas, para além dos erros sobre factos, quaisquer diferenças de experiência que possam importar às diferenças nas crenças filosóficas são ignoradas ou negadas. Pensa-se que todas as diferenças filosóficas genuínas podem ser resolvidas através da língua. Uma tal crença apoia o paradigma adversarial, uma vez que os argumentos adversariais seriam de pouca importância se fosse a experiência, em vez da argumentação, que determinasse as crenças filosóficas. Mas não será possível, por exemplo, que a crença numa divindade suprema esteja correlacionada com uma aptidão percepcionada de controlo sobre o nosso futuro? Quando o nosso controlo é muito limitado, quando somos basicamente incapazes de organizar o que nos rodeia, então a crença numa divindade ajuda-nos a compreender e motiva-nos a prosseguir, a manter-nos espiritualmente bem. Quando nos sentimos eficazes a lidar com o mundo, então a crença num ser supremo não contribui para uma perspectiva satisfatória. A crença numa divindade beneficiaria, seria racional para os muito jovens, os muito velhos, os pobres e os desamparados. Mas para os outros, com a experiência de serem capazes de controlar as suas próprias vidas e ambientes, a diferente experiência daria origem a uma crença diferente. Não vou defender esta
posição, mas sugiro-a como ilustração do facto
de diferentes experiências poderem determinar posições
filosóficas diferentes, que não são resolúveis
argumentativamente. Um caso semelhante dar-se-ia com o tópico da
diferença livre-arbítrio/determinismo. As alternativas ao paradigma adversarial podem receber objecções de filósofos que estão sob a ilusão de que a filosofia é diferente da ciência, que ao contrário desta os seus procedimentos de avaliação são exactos e não valorativos. Mas, para aqueles que aceitam que o que os filósofos disseram da ciência (que a avaliação científica não está livre da incerteza e dos valores, porque depende de um paradigma) é também verdade da filosofia, outros meios de avaliação, para além do método adversarial, não serão tão objectáveis. Tenho estado a criticar o uso do método adversarial como paradigma. E penso que a melhor via para reduzir o seu estatuto de paradigma é salientar que ele é um paradigma, que há outras formas de avaliar, argumentar e discutir filosofia. (Tradução de Jorge Costa)
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