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De onde vem a curiosidade que Nietzsche continua a despertar ? Um dos aspectos a que corresponde tal interesse resulta, seguramente, do facto de Nietzsche ser, ainda hoje, uma opção contra a cultura (fundamentalmente a Ocidental), contra a ciência e o progresso. O nosso tempo, tempo de cepticismo face aos logros da ciência e da racionalidade (actualmente temos de reconhecer que a civilização industrial, técnica e científica cria tantos problemas como os que resolve[1]), é também tempo de desencanto generalizado, configurando, de algum modo, os sintomas não só do fim do século mas também do fim do milénio: vivemos à superfície, sem raízes nem sonhos, e, assim, a figura de Nietzsche aparece consubstanciando a mais eficaz crítica ao cristianismo e à metafísica de pendor platónico que deram lugar à decadência actual. Nietzsche não se posiciona apenas como um crítico profundo, mas também como o portador de propostas relacionadas com a moral e com a compreensão do mundo. Assumiu uma posição crítica face ao estado actual das coisas legando-nos a possibilidade de compreender e compreender-se no mundo de forma radicalmente distinta. Em torno de quatro vectores se estabelece o essencial do pensamento nietzschiano: a morte de Deus, a Vontade de Poder, o Eterno-Retorno e o Super-Homem. |
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1. | A morte de Deus assume-se como o ponto de partida para o desenvolvimento das linhas gerais do seu pensamento, dado que implica um diagnóstico da cultura, da moral e do pensamento posterior ao iluminismo, e de como é precisamente o iluminismo a marca fundamental da morte de Deus (Kant: o que podemos saber/conhecer?[2]). A ausência de fundamento e sentido que implica a morte de Deus induz-nos a procurar outras "explicações", outros sentidos, outros fundamentos do mundo e do homem que não envolvam já o âmbito do divino, pelo menos no sentido monoteísta restrito. Coloca-se então a necessidade de abandonar a compreensão do mundo e da moral tradicional, unificadores desse mesmo mundo, para inserir-se na existência, na "realidade", captando a sua riqueza, multiplicidade e complexidade. Trata-se então de chegar às últimas consequências do facto de que Deus morreu, e encontrar assim um maior impulso vital, força, poder e liberdade, que só o conhecimento trágico nos pode devolver. | |
2. | A vontade de poder, simulacro onde se fundamenta toda a existência, é também o princípio de um novo pensar e de uma nova moral; "verdade é o que aumenta o sentimento da força". O ponto de partida deste simulacro reside na crítica à moral cristã e à sua apologia da debilidade, da fraqueza e do sacrifício (sofrimento) para alcançar o Paraíso (a eternidade), numa vida depois da morte. Em Nietzsche afirma-se a imanência capaz de estabelecer uma força que origina a totalidade do real dentro de si mesma. Esta força nascente é então a vontade de poder. | |
3. | A compreensão da temporalidade encontra-se na ideia de eterno-retorno enquanto tarefa para abandonar a temporalidade entendida como progresso, própria da modernidade e do cristianismo[3]. Trata-se para além de mais de reivindicar o instante, convertendo-o em eterno, evitando estabelecer com ele uma eternidade para além do instante, i. é, para além deste mundo. «A vida humana seria então, um elo numa cadeia de formas mutáveis, e o seu sentido situar-se-ia na tomada de consciência do seu lugar nesse conjunto, ao mesmo tempo fugaz e permanente”[4]. | |
4. | A problemática do super-homem
enquadra-se dentro do espírito da prestigiosa política, cujo
significado remete, no sentido da preparação do mundo, para
o advento do super-homem. O super-homem não é mais do que
a grande obra de arte dos filósofos-artistas (ver a ciência
sob a óptica do artista, a arte porém sob a da vida...[5]),
grandes herdeiros alegres da morte de Deus, aqueles que se atrevem a chegar
até às últimas consequências dessa consumação.
Super-homens: seres livres, que criam valores
e formas de vida porque têm em si a força, a lucidez e a nobreza
cujo princípio não é o "Tu Deves", nem o "Eu Quero",
mas sim o "Eu Sou" dos deuses gregos[6].
O fundamento é então a auto-afirmação, a exacerbação
da própria existência; proclamando aos quatro ventos "Eu Sou"
e "Eu sou o que quero". A partir do super-homem não haverá
mais metas senão a de viver segundo o caos das forças que
eternamente regressam a si mesmas, encontrando a "finalidade sem fim".
É necessário que o super-homem seja dotado de uma consciência
heróica como a que existiu na antiguidade grega, quando a força
e a honra eram as virtudes morais da época,
consubstanciadas nos heróis trágicos
de Ésquilo e Sófocles.
J.Costa
Viseu, Junho, 1999 |
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1 Edgar Morin, In Label Franco, n.°
28 de 7/97. (Voltar ao texto)
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