ES:
Esmeralda Serrano
CB: Cristina Beckert
ES – O que tem a Filosofia
a ver com os "bebés-proveta"?
CB – Os "bebés-proveta" – nome popular
dado às crianças nascidas mediante o processo de fecundação
in vitro ou FIV – é apenas uma entre muitas outras
manifestações do progresso da tecnociência
nas áreas da Biologia e da Medicina, a que a Bioética
procura dar resposta. É, pois, em relação à
Bioética (disciplina recente, surgida na década
de 70) e aos princípios que a fundamentam que a Filosofia
tem algo a dizer, para além de fornecer os instrumentos críticos
e reflexivos imprescindíveis na análise casuística.
Não é decerto ocasional que as
primeiras questões de índole bioética tenham
sido levantadas por autores ligados ao domínio da Teologia
– tais como Éllul, Jonas ou Engelhardt — preocupados em combater
a crescente instrumentalização do ser humano pelas
novas tecnologias que se afiguravam capazes de pôr em causa
a liberdade e dignidade da pessoa.
No entanto, cedo se verificou a impossibilidade de dar à
Bioética qualquer fundamentação de ordem religiosa
ou ideológica, dada a disparidade de convicções,
de raiz cultural diversa, presentes e coexistentes na sociedade
actual. Deste modo, não usufruindo de um fundamento científico
neutro, dado que é a própria neutralidade da ciência,
que pretende questionar, mas faltando-lhe, também, uma base
ideológica forte, traduzível na criação
de normas morais universais, só resta a esta disciplina assumir
a sua natureza reguladora e problemática. J. Bernard, Presidente
da Comissão Francesa para a Ética das Ciências,
retrata, a meu ver, de uma forma bastante feliz, a situação
da Bioética, colocando-a na fronteira entre dois rigores:
o "rigor glacial" da ciência
e o "rigor rígido" da moral,
mas tendo, simultaneamente, como aliados, o "calor da vida" e a
"profundidade da reflexão". Ora, parece-me ser este, também,
o lugar da Filosofia como actividade que sempre se quis racional,
mas num sentido englobante, onde a par da lógica argumentativa
figuram os interesses, as emoções e as crenças.
Cabe-lhe, por isso, dado o seu pendor universalizante, reflectir
sobre os princípios por que se deve reger a Bioética,
tendo sempre em conta que valem apenas como reguladores nas decisões
a tomar em face de casos problemáticos e nunca como normas.
ES – Que princípios são esses
e como é possível chegar-se a um acordo quanto a eles
se, como afirmou, coexistem na nossa sociedade valores
antagónicos e irreconciliáveis?
CB – A extrema dificuldade em conciliar as diversas
perspectivas sobre o valor da vida,
os critérios de bem-estar individual e social e até
que ponto o primeiro deve prevalecer sobre o segundo ou vice-versa
tornam esta tarefa pouco compensadora quanto a resultados visíveis.
Não obstante, já desde 1978 que o Relatório
Belmont, elaborado pela Comissão Nacional para a Protecção
de Pessoas humanas em Pesquisa Biomédica e Comportamental,
consigna os três princípios básicos, a partir
dos quais todas as questões bioéticas deverão
ser avaliadas: o princípio da autonomia
(PA), o princípio da beneficência (PB)
e o princípio da justiça (PJ). A
literatura produzida desde então, sobretudo nos países
anglo-saxónicos, é abundante, e visa, sobretudo, esclarecer
o âmbito de cada um destes princípios e os limites
que se impõem reciprocamente. Por seu turno, no enunciado
de cada um estão presentes termos que reenviam para uma tradição
filosófica secular, como é o caso da palavra autonomia,
ligada ao conceito de liberdade e de pessoa enquanto núcleo
de toda a acção moral, e o de justiça que,
como é sabido, tem ocupado grande parte dos filósofos
desde Platão.
Tentemos exemplificar os obstáculos que
se nos deparam quando procuramos delimitar e aplicar estes princípios.
O princípio da autonomia impõe o respeito pela pessoa
moral, entendendo-se esta como um ser humano adulto, em plena posse
das suas faculdades e capaz de decisões responsáveis.
Por outro lado, o princípio de beneficência exorta
a que proporcionemos o máximo de bem-estar possível
a todos os membros da sociedade, tanto individual como colectivamente.
O que fazer quando entram ambos em colisão? Suponhamos que
alguém sofre de uma doença incurável e o seu
médico lhe propõe um tratamento capaz de lhe prolongar
a vida, mas que acarretaria a perda de alguma independência
e liberdade as quais, na óptica do paciente, poriam justamente
em causa a sua dignidade de pessoa. Deverá o médico
respeitar a vontade do doente e, como tal, respeitar igualmente
PA ou, pelo contrário, deverá usar da sua autoridade
científica e influência pessoal para convencer o paciente
a submeter-se a um tratamento que, na sua própria perspectiva
de técnico da saúde, constitui um bem e um benefício
para a saúde deste, sobrepondo, assim, PB a PA? E se alargarmos
a esfera da reflexão para além da pessoa individualmente
considerada, integrando-a no todo familiar e social a que pertence?
Então, teríamos que equacionar as consequências
do tratamento proposto no seio da família e da sociedade
em geral. Será que os familiares estão preparados,
tanto do ponto de vista psicológico como afectivo para apoiar
o doente nos momentos mais difíceis ou o seu desaparecimento
a curto prazo causará danos ainda maiores? E os prejuízos
sociais de um tratamento prolongado e dispendioso? Até que
ponto é justo (e entraria aqui em cena o terceiro princípio,
PJ) gastar somas avultadas para prolongar a vida de alguém,
quando os mesmos recursos poderiam ser empregues para salvar outras
vidas?
Uma coisa é certa: nenhuma decisão,
a este nível, deverá ser tomada de ânimo leve
ou tendo apenas em conta uma única perspectiva sobre o problema.
Contudo, numa sociedade que se queira livre e democrática,
o primado do PA sobre os outros princípios apresentar-se-á
como inquestionável, ainda que nem sempre com o mesmo grau
de evidência. Com efeito, é óbvio que não
devo submeter ninguém a experiências biomédicas
laboratoriais sem o seu consentimento, mas talvez não seja
tão pacífico pôr em perigo a vida de uma mulher
cujas convicções ético-religiosas não
lhe permitem fazer um aborto ou deixar morrer alguém que
é Testemunha de Jeová porque a sua religião
proíbe as transfusões de sangue. A grande questão
que, do ponto de vista filosófico, continua de pé
é saber até que ponto o processo de racionalização
da vida é consentâneo com o conjunto de valores que
cimentam a existência em comum. Daí que, por exemplo,
Engelhardt defenda basear-se o PA num acordo derivado do respeito
mútuo entre pessoas morais, mas em que a racionalidade não
é o critério determinante. Aquilo que aparece como
irracional e destituído de sentido para um membro de uma
democracia ocidental — que pauta as suas acções por
um ideal de progresso técnico-cientifìco
— pode ser a própria razão de agir para um indiano
budista, para quem o valor da vida, na sua globalidade, se sobrepõe
a todo o exercício do poder humano sobre a natureza.
ES – Tal como o formulou, não será
o princípio de autonomia demasiado lato e formal? Não
operará a Bioética, na maior parte das vezes, com
casos em que a autonomia do agente é afectada?
CB – É certo que o
PA se apresenta como puramente formal e, até mesmo, com a
função negativa de, em termos kantianos,
não permitir que se utilize uma pessoa apenas como meio ou
mera coisa, mas sempre como um fim em si mesmo. Também
é certo que a Bioética lida com entidades que ainda
não são, já deixaram de ser ou nunca virão
a ser pessoas, no sentido forte que há pouco demos de pessoas
morais. Mas são sempre pessoas sociais, isto é, gozam
de direitos, entre os quais o direito à vida e à saúde
possível. Estes casos dizem respeito, nomeadamente, aos fetos,
às vitimas de doença ou acidente que se encontram
em estado vegetativo e apenas sobrevivem "ligadas à máquina"
e àquelas que, por lesão cerebral grave, nunca atingiram
a consciência de si, embora tenham alguma noção
do que as rodeia e respondam a estímulos exteriores. O que
há de comum entre todos eles é a incapacidade do sujeito
responder por si, de ser autónomo e responsável, pelo
que se legitima a inversão de prioridades na relação
entre o PA e o PB.
Nos doentes em coma, a decisão de "desligar
a máquina" é, em geral, transferida para os familiares
ou, em última instância, para o médico, recebendo
a designação de eutanásia
não-voluntária, mas, ainda aqui, há quem se
insurja contra o desrespeito pela autonomia do paciente. Segundo
esta lógica argumentativa, a eutanásia voluntária,
isto é, levada a cabo mediante decisão responsável
do próprio, seria a única a respeitar o PA, surgindo
a não-voluntária sempre como uma violação
deste último. No que diz respeito à decisão
de proceder a um aborto, esta encontra-se
inteiramente dependente da concepção de pessoa atribuída
ao feto. Se este for considerado uma pessoa actual
ou mesmo potencial (segundo uma
longa tradição filosófica que remonta a S.
Tomás de Aquino) o aborto é interdito ou, quando
muito, permitido em casos extremos, em que o feto nunca possa vir
a adquirir o estatuto efectivo de pessoa. Ao invés, a linha
de reflexão com origem no empirismo
e utilitarismo anglo-saxónicos, tende a “despersonalizar”
o feto e a centrar a atenção no cálculo das
consequências que o aborto pode trazer, em primeiro lugar
para a mãe e depois para a família e para a sociedade
no seu conjunto. A polémica gerada em torno do aborto é,
talvez, o exemplo mais eloquente da necessidade de conciliar a tendência
à racionalização (procurando investigar cientificamente
a natureza do feto) e a carga psicológica, afectiva e cultural
com que este é investido.
FS – A propósito de feto, voltemos à
pergunta inicial acerca do "bebé-proveta". Até que
ponto a reprodução medicamente assistida causa problemas
éticos?
CB – Curiosamente, as técnicas de inseminação
artificial e fertilização in vitro desenvolveram-se
em resposta a uma aspiração ela mesma de ordem ético-social,
para além de psicológica e natural: o desejo de ter
filhos, manifestado por um sem número de casais que, por
diversas razões, se vêem impossibilitados de procriar.
Aliás, a inseminação artificial, não
só não é recente — as primeiras tentativas
nesse sentido datam do séc. XVIII — como tem pouco de artificial,
pois é amplamente praticada na natureza, sobretudo entre
os insectos, mas, também, nalguns mamíferos. Por seu
turno, a fecundação in vitro representa, apenas,
um passo mais além na superação da infertilidade:
já não se trata de introduzir artificialmente espermatozóides
no aparelho reprodutor feminino, mas de obter uma fecundação
em laboratório, seguida de implantação do embrião.
Os problemas éticos surgem quando, de
forma paradoxal, as técnicas de reprodução
começam a poder pôr em causa aquilo que estivera na
origem do seu próprio desenvolvimento, ou seja, a promoção
da estrutura familiar como sustentáculo social. De facto,
o recurso a um dador, sempre que, por exemplo, o cônjuge não
possuir espermatozóides em número suficiente ou o
recurso a uma "mãe hospedeira", quando a mulher não
está em condições de levar a cabo a gravidez,
implica, de imediato, a introdução de um terceiro
ou mesmo quarto elemento no seio do casal, causando perturbações
específicas, quer familiares quer sociais. Num caso extremo,
podemos mesmo imaginar uma criança com cinco pais: uma mãe
doadora do óvulo, uma "mãe hospedeira", uma mãe
educadora, um pai genético e um pai jurídico. Para
além de situações que povoam hoje os tribunais,
em que a "mãe hospedeira", tendo criado laços afectivos
com a criança, se recusa a cedê-la ou em que o pai
genético quebra o sigilo da paternidade, ou ainda o direito
de o filho conhecer a identidade do genético, põe-se
uma questão filosófica de fundo: a
da identidade pessoal, familiar
e social de cada ser humano.
São múltiplas as teorias que,
desde sempre, procuraram explicar em que consiste o núcleo
individualizador de cada pessoa, desde aquelas que afirmavam ser
este uma fonte espiritual, presente à partida e independente
do espaço e do tempo, passando pelas que defendiam resultar
a identidade pessoal de um processo cronológico, em que a
memória é determinante para a formação
da consciência de si, até à corrente existencialista,
para quem a dimensão da pessoa é o produto da acção,
de um "fazer-se" contínuo do sujeito mediante o exercício
de uma liberdade radical. Actualmente, a polémica reacende-se,
tomando uma nova forma, a da oposição entre o inato
e o adquirido, isto é, entre a tese de que a constituição
genética do indivíduo é essencial para o delinear
da sua identidade própria, e a que se traduz numa preponderância
do meio ambiente sobre o factor hereditário (quanto à
terceira, pretende, justamente, salvaguardar a liberdade pessoal
de qualquer determinação, quer proveniente da hereditariedade
quer do ambiente).
Os métodos artificiais de reprodução
desempenham, neste conflito, um papel ambivalente e até contraditório,
dificultando a sua solução. Por um lado, a separação
entre os pais genéticos e os pais sociais pode propiciar
certa abertura nas relações intersubjectivas, por
vezes demasiado marcadas pelo apelo aos "laços de sangue",
o que, como é sabido, corre sempre o perigo de degenerar
em racismo e xenofobia. No entanto, poder-se-á sempre perguntar
até que ponto a adopção não representaria
uma abertura muito mais radical à alteridade, um respeito
muito maior pela identidade e autonomia da pessoa, apesar de todos
os riscos que comporta. É este tipo de questões que
obrigam a encarar a hipótese de um reverso da medalha, em
que a última palavra seria dada ao "gene egoísta",
inseparável de um ideal eugénico (não é
por acaso que a escolha dos dadores obedece a critérios como
a semelhança física com o pai social, de modo a que
a criança possa nunca vir a saber que este não é
o seu pai biológico). Por fim, há que perguntar se
a renúncia ao outro no acto procriativo e como co-responsável
na educação de um filho é um direito da mulher
ou a expressão de um solipsismo crescente a evitar. Ou, por
outras palavras, a reprodução medicamente assistida
deverá limitar-se a ultrapassar obstáculos de ordem
biológica ou psicológica na capacidade procriativa
de alguns casais ou destinar-se-á a satisfazer todos os desejos
que o ser humano for capaz de se pôr a si mesmo?
ES – Falou em "ideal
eugénico", tema por demais controverso nos dias que correm.
Parece-lhe que o eugenismo é
expressão do aperfeiçoamento humano ou um perigo que
ameaça a identidade da nossa espécie tal como a conhecemos?
CB – Antes de responder directamente à
questão, gostaria de explicitar como é que a reprodução
medicamente assistida é inseparável da ideia de eugenismo.
Na verdade, já na inseminação artificial os
espermatozóides são isolados e potenciada a sua capacidade
de fecundação, sendo igualmente submetidos a rigorosos
testes para despistagem de doenças como a SIDA. Todavia,
a partir de 1972, foi possível, mediante o aperfeiçoamento
das técnicas de congelamento, conservar mais ovos obtidos
por fecundação in vitro do que os necessários,
permitindo, assim, a escolha do melhor ovo para ser implantado.
Os primeiros passos nesta direcção foram dados, em
1990, por uma equipa médica londrina, empenhada em detectar
o sexo dos embriões três dias após a fecundação
in vitro. Esta informação tornava-se, neste
caso particular, vital, pois a mulher era transmissora de hemofilia,
devendo todos os embriões masculinos ser rejeitados. E claro
que estamos, aqui, perante um eugenismo terapêutico ou negativo,
destinado tão-só a evitar que o embrião seja
portador de malformações ou doenças genéticas
e não a um melhoramento da espécie no seu conjunto.
Mas será possível traçar uma fronteira definitiva
entre o eugenismo negativo e o positivo? Enquanto o recurso ao diagnóstico
pré-natal já permitia detectar doenças graves
e tratá-las precocemente, o diagnóstico pré-implantatório
leva à eliminação pura e simples de tais doenças
e de outras menos graves. Quanto maior for o número de ovos
ou embriões disponíveis, mais fácil se torna
escolher aquele que corresponde ao padrão de normalidade,
não só do ponto de vista da saúde, como do
aspecto físico ou do coeficiente de inteligência. Então,
a "espiral do desejo", segundo a expressão de .J. Testart,
será imparável, e os novos dilemas consistirão,
sucessivamente, em saber até que ponto é preferível
ter um filho mais inteligente ou mais belo, mais alto ou mais magro,
com olhos verdes ou cabelo louro.
E não estou, sequer, a pensar em engenharia
genética ou na clonagem
como modo de reprodução assexuado. A possibilidade
de alterar a informação da molécula ADN alargaria
consideravelmente o leque de escolhas na produção
de novos seres humanos, ao passo que a clonagem representaria a
realização máxima do desejo de identidade e
a recusa total da diferença e da estranheza. Com efeito,
pela clonagem é possível criar um ser em tudo idêntico
a mim. Mas onde residirá a sua identidade e liberdade?
E a minha, se não tenho um outro de quem me distinguir e
com quem dialogar? Não quero, com isto, rejeitar em bloco
a engenharia genética. Os seus benefícios são
incontestáveis, se pensarmos que produtos farmacêuticos
como a insulina humana, factores de coagulação do
sangue, vitaminas, antibióticos, etc., são já
produzidos mediante a clonagem de genes em bactérias e leveduras,
evitando a morte de milhares de animais. Também a substituição
de pesticidas e outras substâncias nocivas para o ambiente
por bactérias geneticamente modificadas se pode revelar de
grande utilidade, desde que a sua acção seja submetida
a rigoroso controle.
Por tudo isto, e voltando à pergunta
sobre as vantagens e perigos do eugenismo, diria que, do ponto de
vista terapêutico, são inegáveis as vantagens,
enquanto, como meio de aperfeiçoamento do homem, se torna
discutível.
A filosofa é,
talvez, a testemunha por excelência de que o desejo de perfeição
é constitutivo do homem e de que a técnica
— fruto do roubo do fogo divino por Prometeu
— constitui um dos veículos possíveis dessa perfeição.
Porém, o acréscimo de poder sobre a natureza e o mundo,
que esta proporciona, tem que ser indissociável do acréscimo
de responsabilidade do homem pelas suas próprias criações.
Ora, vivemos numa época em que este se tornou, pela primeira
vez, responsável por si mesmo enquanto espécie e pelo
planeta em que habita. À liberdade de criar sucede a responsabilidade
de cuidar e de prever as consequências de todos os actos que
alteram o equilíbrio precário da natureza. Daí
a necessidade sentida por H. Jonas de reformular o imperativo
categórico kantiano, pilar da moral ocidental. Não
basta já exigir a validade universal como critério
de moralidade para a minha acção, mas é preciso
projectá-la no futuro e antecipar os resultados que dela
podem advir num tempo que não será o meu. O imperativo
a que se deverá subordinar o ideal eugénico será,
pois, o seguinte (nas palavras do próprio Jonas): “Age de
tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis
com a preservação da vida humana genuína”.
Se a prossecução do eugenismo positivo acarretar uma
perda na diversidade biológica e cultural ou significar a
substituição da diferença pela oposição
e pela hierarquização, legitimadora do exercício
do poder de parte da humanidade sobre outra parte — como aconteceu
há ainda bem pouco tempo na Alemanha nazi
—, então é porque a “espiral do desejo” rompeu com
o círculo da responsabilidade.
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