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ainda, n'O Canto, Bachelard -- poesia e ciência. |
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BACHELARD:
o filósofo e o poeta
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O Trabalho solitário do filósofo e do poeta
A obra de Gaston Bachelard contém duas
facetas: a poesia e a ciência.
Seria pois mutilá-la se separássemos o sonho do rigor racional.
A diversidade do seu pensamento exprime a plenitude da vida de Bachelard:
ele é simultaneamente aquele que, face às experiências
«despedaçadas e despedaçantes» reivindica a interioridade
da existência na sua mesa de trabalho, e aquele que denuncia «o
sonho enfadonho do que se imobiliza no seu canto». Para saber sonhar
é preciso estar-se profundamente apegado ao real, não somente
aos elementos da matéria, mas às palavras
e à sua poesia, não somente
à casa natal, «natal e sonhada» de Bar-sur-Aube, mas
às ruas de Paris e às lutas humanas. A obra de Bachelard está
enraizada no concreto. Sem dúvida,
estas duas vertentes da sua obra, o sonho e o racional da ciência,
são em certo sentido antitéticas. Mas Bachelard conciliou
essas duas exigências, através de uma atitude: a recusa de
qualquer dogmatismo.
O Epistemólogo polemista
Gaston Bachelard coloca a coragem intelectual no centro da sua reflexão,
e isto desde as suas primeiras obras sobre o trabalho científico:
a sua tese sobre O Conhecimento Aproximado, depois O Novo Espírito
Científico, publicado em 1934. Nelas mostra a razão
aberta ao futuro, sempre capaz, na conquista da liberdade,
de pôr em causa os princípios sobre os quais se apoiara tranquilamente
até esse momento. Bachelard sublinha que, no progresso do pensamento
científico, os adquiridos se formam de modo descontínuo, por
ruptura. Baseia-se como prova nas crises do início do século
xx: a crise da relatividade, do determinismo,
da teoria dos conjuntos. O seu contributo
fundamental foi ter analisado os «obstáculos»
epistemológicos que existem no próprio interior do pensamento,
nas profundezas do inconsciente, muitas
vezes culturais, do psiquismo. Desse ponto de vista, A Formação
do Espírito Científico e A Psicanálise do Fogo,
que datam do mesmo ano (1938) são as mais instrutivas. A sua obra
é uma ajuda preciosa para desmontar o mecanicismo,
a ciência espectáculo, a análise fragmentada, a redução
ao simplismo, a noção estática da matéria,
à qual correspondem os conceitos
deturpados. Bachelard convoca a «filosofia do não» para
marcar o seu contributo para uma dialéctica do conhecimento que se
opõe a uma concepção deturpada da razão. Designa
o pensamento como um «sobreracionalismo».
Alguns historiadores e filósofos das ciências criticam-no hoje
em dia, pela audácia das suas formulações. Mas isso
é esquecer que o pensamento de Bachelard não tem nada de académico
e que ele é voluntariamente polémico, na sua vontade pedagógica
de denunciar os bloqueios, os «erros e os horrores» da razão.
A Exploração da imaginação criadora
Valorizando a liberdade criadora, Bachelard reabilita a imaginação.
Próximo da fenomenologia ou
da psicanálise, rejeita uma concepção «coisista»
da imagem. Segundo ele, a imaginação está aberta,
«toda para o futuro». Através da psicanálise
das imagens, como da inteligibilidade da
ciência, procura penetrar na riqueza inesgotável do real,
cuja profundidade é vivida antes de ser pensada. A imaginação
é a própria força do psiquismo, mas é preciso
saber aprender a sonhar, pois o devaneio
poético, que Bachelard opõe ao devaneio da sonolência,
pressupõe uma disciplina. Ele é «desenvolvimento do
ser e tomada de consciência». Contrariamente a Bergson,
defende a força da linguagem, que
cria o ser. Se o imaginário pode ser
criador de realidade, se nos «abre uma via nova», não
é porque a imaginação exprime, antes de mais, a afirmação
do ser humano na natureza? «A descoberta
do outro passa pelo Cosmos», escreve Bachelard. A riqueza e a diversidade
concreta, «exuberante», da obra de Bachelard abre-nos para
a densidade do mundo.
• OBRAS PRINCIPAIS
O Novo espírito científico (1934); A Formação
do espírito científico (1938); A Psicanálise
do fogo (1938); A Água e os sonhos (1942); A Terra
e as fantasias da vontade (1948); A Poética do espaço
(1957). Ed. Portuguesas: O materalismo racional, Lisboa, Ed. 70,
1953; A Epistemologia, Ed. 70, 1981; A Filosofia do Não:
Filosofia do novo espírito científico. Presença,
1984; (nota d'O Canto: A Poética do Espaço,
São Paulo, Martins Fontes, 1998).
(Dicionário Prático
de Filosofia, verbete Bachelard)
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