Ditos e ditotes Ele há cada um... Filósofo... em PESSOA
Maledicências... 
O mocho
Página inicial
Ameaças de filósofos Outros cantos Com prazo de validade Ciberfilosofias Lexicon
 
Raquel







Índice

  • Introdução
  • O Fédon
  • Os Contrários
  • A Reminiscência
  • As Ideias
  • Sócrates e as Ciências Naturais
  • O Século XX e as Reencarnações
  • Conclusão - Algumas Reflexões
  • Bibliografia
  • [Página inicial d'O Canto]
  • [Índice dos textos de apoio]
      •  

     
     

     

    O FÉDON DE PLATÃO

     
    Ana Raquel Lopes Simões Dossier Individual I de filosofia
    Viseu, Dezembro '97


    "Devemos seguir sempre o caminho que leva ao mais alto" - Platão


     

    Introdução
     

    Com este trabalho pretendo, não só apresentar as ideias com que fiquei do Fédon, mas também dar-me um pouco a conhecer, nomeadamente no que diz respeito às crenças no transcendente que, aquando da minha socialização, não aprendi, porque não me ensinaram. Daí que possa parecer, por vezes, ao longo do trabalho, um pouco céptica e "pouco crente" relativamente ao que está a ser dito e acreditado. Penso que esta situação me dá, agora mais do que nunca, uma maior oportunidade de ser eu própria a descobrir, ou mesmo a projectar e construir o meu caminho pela transcendência, ou não.

    O Fédon funcionou, então, para mim, como um possível percurso. A primeira vez que o li, fi-lo exactamente com esse intuito, ou seja, o de conhecer a opinião de Sócrates e de Platão relativamente ao tema que aborda, e a partir daí, tentar descobrir a minha própria solução.
     

    "Que vem fazer a morte, que é esta vida, às sementes da vida eterna, que são as almas?" (Leonardo Coimbra, Oração)
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    O Fédon

    O Fédon é um diálogo que envolve opiniões e procura emancipar as pessoas retirando-lhes as opiniões preconceituosas "instauradas" pelos sofistas. Esta obra pretende, ainda, mostrar-nos que dialogar não é uma mera troca de opiniões mas um exercício constrangedor, na medida em que é pondo em causa e objectando que se dialoga o que se faz com algum sacrifício.

    "À ideia de morte associa-se irremediavelmente um sentido de terror. Perante ela, os homens são como crianças perante o papão: constroem representações, fantasias que suscitam um pânico. Cebes e Símias, os dois interlocutores principais de Sócrates no Fédon, dois homens de senso e de razão, pedem ao mestre que os trate como crianças, tanto eles temem não ficarem convencidos pelas demonstrações que lhes propõem e reencontrarem, mal a conversa termine, os seus antigos pavores."

    A grande questão levantada nesta obra de Platão é: "Será que a alma é imortal?". Não só por ser o problema à volta do qual surgirão outros, mais ou menos pertinentes, mas também porque é uma forma de explicar a serenidade de Sócrates perante a sua morte próxima, facto que espanta  os seus discípulos e amigos.

    Sócrates vai então dizer-nos que o verdadeiro amante do saber, o filósofo, aspira pela morte, na medida em que é neste momento que a alma se separa do corpo e vai de encontro a um Mundo realmente puro onde poderá entrar em contacto com as ideias e como verdadeiro conhecimento, com a eternidade, perfeição e harmonia. A morte é a melhor sorte que podemos esperar, já que é ela que nos conduz  ao conhecimento do Belo e das Essências.

    "A  Filosofia é o exercício de morrer e estar morto", ou seja, é o esforço da alma em abstrair-se o mais possível do corpo que é visto como um cárcere, como tal, um filtro ao verdadeiro conhecimento. Sócrates afirma que durante a sua existência, a sua alma se afastou de tudo quanto era material e fazia parte do senso comum, ou seja do Mundo Sensível. Sendo assim, ele tinha um lugar assegurado no Hades onde repousam todas as almas que conseguiram a purificação.

    Falemos, então na Bela Esperança Socrática que deverá  ser entendida como uma convicção de Sócrates. Esta sua Esperança baseia-se, em traços gerais, no facto de ele acreditar que o Hades é um local justo pelo que os bons e todos aqueles que sempre praticaram boas acções durante a sua existência, serão felizes eternamente na companhia de outros homens bons e sábios e dos próprios Deuses. Este seu argumento teve, no contexto deste diálogo, duas funções: a primeira, de responder às objecções de Cebes que afirmava ser insensato estar-se feliz com a morte uma vez que seriam quebradas as nossas ligações com os Deuses, já que eram eles que velavam por nós; a segunda prende-se com a resposta que Sócrates pretende dar à problemática do existencialismo, na medida em que, como na vida terrena  a felicidade não decorre da Ética, nós deveremos continuar  a praticar boas acções para podermos ter o lugar garantido no Hades onde nos é, segundo a Bela Esperança de Sócrates, assegurada a felicidade eterna.

    É este, então o ponto de partida de que Sócrates se serve para provar que a alma é imortal, ou seja que preexiste em relação ao corpo bem como permanece  intacta após este sucumbir.

    Várias objecções vão ser levantadas mas Sócrates, de uma forma serena e inteligente, vai desmontá-las fazendo prevalecer  o seu argumento; mantendo, no entanto, a sua posição de que o filósofo, sendo amigo do saber, tem como principal objectivo chegar  à verdade  e não convencer.

    Nesta obra vamos ainda dar  conta  das hostilidades existentes  entre Platão (patente nas palavras de Sócrates) e os sofistas: "eu  julgo distinguir-me deles (...) em não procurar convencer os assistentes da verdade de minhas afirmações...".
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    Os contrários

    Este é um dos argumentos de que Sócrates se serve para provar  aquilo a que se propõe,  ou seja a imortalidade da alma, aos seus discípulos. Com efeito, ele consegue, em dois pontos do argumento, a concordância de Cebes. Esses aspectos são: aquilo que devém, devém a partir do seu contrário, ou seja todas as coisas nascem do seu contrário, assim, o belo nasce do feio, o pequeno do grande e vice-versa. Do mesmo modo, também os vivos nascem dos mortos e, necessariamente, os mortos dos vivos, o que implica a sobrevivência da alma após o corpo sucumbir. O segundo ponto, que recebeu também o aval de Cebes, relaciona-se com o facto de o processo de devir ter dois sentidos, isto é de um contrário para o outro e deste novamente para o primeiro. Por exemplo: do aquecimento (passagem do frio para o quente) passa-se para o arrefecimento (passagem do quente para o frio).

    Podemos, então, afirmar que há um ciclo de nascimento, morte e renascimento. Para que este ciclo se mantenha é necessário que, durante a morte, as almas existam no além (no Hades) de onde regressam para reencarnar, tantas vezes quantas as necessárias até que atinjam a purificação e habitem para sempre no Hades.

    As almas são, assim, o princípio da vida, uma vez que são a causa do devir. Sendo assim, a essência precede a existência. Ou seja, nós já somos mesmo antes de nascermos.

    São estes os pontos mais importantes a focar acerca deste argumento. No entanto, e tal  como Cebes afirma, não está provado que a alma é imortal, sabemos sim que ela  é anterior  à nossa existência  e que quando nascemos temos já uma alma destinada.

    Após o corpo sucumbir, as almas sobem ao Hades, mas "quem chega ao Hades, antes de ser iniciado e admitido aos mistérios, deverá jazer no lodo; ao contrário, o que aí baixar puro e depois de ter recebido a iniciação, habitará em companhia dos Deuses".

    Sócrates vai recorrer à racionalização da tradição (órfica) de forma a tornar o seu argumento acessível aos que têm e aos que não têm fé. São duas vias de acesso à purificação: uns pela fé e outros pela razão.

    Esta posição de Sócrates não me convence uma vez que encontrei alguns pontos fracos no seu argumento. 

    Com efeito, Sócrates diz-nos que tudo tem um contrário donde nasce, e para comprovar tal afirmação dá exemplos: "o grande (origina-se) do seu contrário, o pequeno"; e quando a assistência  parece estar convencida, ele transporta estas realidades para uma esfera transcendente, ao encontro das almas. Ora, é esta sua posição que, para mim, não tem razão de ser, na medida em que não deverá ser feita, assim, uma transposição daquilo que faz parte da nossa existência terrena, para o metafísico, tal como a própria palavra nos diz "para  além do físico (do sensível, do Mundo Sensível)". É o próprio Platão que diz que o Mundo em que vivemos é em tudo diferente do Mundo das Ideias. Razão pela qual também as almas não deverão aceitar as características das coisas visíveis.

    Segundo a Lei Geral do Universo tudo tem um contrário. Então e a alma, será que não tem um contrário? Sócrates não dá resposta a esta questão. Poderíamos, então, ser tentados a afirmar que o corpo é o contrário da alma, mas para que tal acontecesse a alma teria que desaparecer e dar lugar ao corpo. Ora, isto não acontece  uma vez que para além de a alma ser imutável e por isso eterna, também não há corpo  sem alma já que é nela  que reside a razão, o pensamento, os sentimentos e tudo o que em nós é invisível e pelo qual regemos uma parte da nossa existência.

    Será que podemos afirmar que a alma não tem contrário por  ser  uma substância simples? Mas rapidamente surgiriam objecções como: o corpo que é complexo também não tem contrário; ou ainda o Belo (por exemplo) que também é simples e faz parte do Mundo das Ideias (tal como a alma) tem o Feio como contrário. 

    Já no final da obra, e porque se deu conta de que a sua posição relativamente à imortalidade da alma não ficou muito clara, e porque devia uma resposta a Cebes, Sócrates vai expor-nos, de novo, a teoria dos contrários.

    Com este argumento, Sócrates vai situar-se apenas ao nível do oposto em si "o oposto em si jamais poderá tornar-se no seu oposto". Isto é, um oposto não sobrevive em consonância com o seu oposto. Como por exemplo: a neve que, ao participar do frio, não aceita o fogo (que participa do calor) e, como tal pereceria assim que este (fogo) se aproximasse. A alma, como é um ser em si, não pode admitir o oposto à ideia que lhe está subjacente; ou seja, a alma não admite a morte e, como tal, é imortal. Um outro ponto em que Sócrates se baseia relaciona-se com o facto de que, sendo a alma da mesma Natureza das Ideias, ela não pode ser causa da vida e estar sujeita à morte, caso contrário, todo o mundo mergulhava na Morte. 

    Mais uma vez, Sócrates transporta aquilo que é da Terra, do Sensível para o transcendente. Tudo o que afirmou está correcto e é aceite, mas até que ponto é que isso pode ser afirmado e adaptado às almas é que nós já não sabemos. É muito fácil transpor aquilo a que não sabemos dar resposta para o transcendente, uma vez que nada pode estar errado pois é completamente desconhecido  por nós.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    A Reminiscência

    Sócrates vai apresentar-nos um novo argumento para provar a imortalidade da alma. Esta nova posição é um argumento gnosiológico na medida em que se prende com o estudo do conhecimento.

    Aprender é recordar, foi esta a conclusão a que chegou  e em que Sócrates contou, novamente, com o apoio de Cebes.

    Com efeito, a alma, antes de habitar qualquer corpo, habitou no Hades, no Mundo das Ideias, onde contemplou as Formas perfeitas e eternas que lá existem. No entanto, a partir do momento em que a alma encarna num qualquer corpo ela esquece tudo o que contemplou no Além. Sendo assim, ela terá que, durante a existência do corpo, fazer um percurso no sentido de aprender tudo o que esqueceu. Esta não é uma aprendizagem no verdadeiro sentido da palavra na medida em que aquilo que a alma vai fazer é recordar tudo o que contemplou no Hades, captando, no mundo sensível em que agora habita, as sombras das Formas do Mundo das Ideias. A nossa aprendizagem é, desta forma, fruto daquilo que conhecemos e das ilações que nós próprios tiramos acerca daquilo que apreendemos do Mundo Sensível.

    O percurso de vida de cada um é, como tal, determinante num conhecimento mais ou menos alargado da realidade. Do mesmo modo, aproxima-se mais da verdade aquela alma que teve como objectivo primeiro a não satisfação dos desejos do corpo e se afastou dele o mais possível, abstraindo-se por completo de tudo quanto é sensível, dando o lugar privilegiado à razão que tenta, deste modo, alcançar o Mundo das Ideias do qual sente uma grande Nostalgia.

    Há, no entanto, almas que ao encarnarem recordam mais do que outras daquilo que contemplaram no Inteligível. Este facto depende do ciclo anterior da alma, ou seja, quanto maior for o número de encarnações mais aptidão terá a alma para ser ela mesma a controlar o corpo e a abstrair-se dele de forma a encontrar o caminho da purificação. Se, pelo contrário, foram feitas ainda poucas encarnações, então é o corpo que a controla.

    O Mito do Rio do Esquecimento ou do Destino das Almas serve para nos explicar esta ideia de uma forma mais clara: quando o corpo sucumbe, as almas têm que passar num rio; há umas que passam mais sequiosas do que outras, consoante a sua ligação mais ou menos estreita com o corpo. Como tal, as que beberem muita água esquecem mais facilmente aquilo que contemplaram no Inteligível.

    Também este argumento não se mostrou capaz de demonstrar a imortalidade da alma. Mas sim a sua preexistência em relação ao corpo uma vez que nós, na nossa existência, vamos recordar aquilo que contemplamos no Hades, daí que a experiência actual se baseie na experiência anterior e haja uma identidade entre ideias, alma e pensamento.

    Este argumento é, no entanto, mais complexo e sustentável do que o anterior e, como tal, mais difícil de desmontar, o que não impede, porém, algumas objecções  da minha parte. Assim:

    Afirma-se, ao longo deste argumento, que o percurso da alma é determinante no verdadeiro conhecimento; ou seja, pressupõe-se que, quanto maior for o número de encarnações, mais alargado é o conhecimento. No entanto, o menor número de encarnações da alma significa que essa mesma alma conseguiu, de uma forma mais rápida, sobrepor-se às vontades do corpo a ponto de não satisfazer os desejos por ele pedidos; só neste caso a alma consegue a tão desejada purificação, a verdade absoluta. Ainda dentro da perspectiva de Sócrates, podemos dizer que existe uma certa contradição ao afirmar-se que o recordar daquilo que a nossa alma contemplou não depende de cada um de nós mas do ciclo da própria alma, ou seja do número das suas reencarnações, já que é apenas encarnando que a alma se exercita a abstrair-se do corpo e de tudo quanto a ele diz respeito. Sendo assim, deveremos esperar e desejar que a nossa alma tenha já encarnado em muitos corpos de modo a que, enquanto estiver no nosso, esteja já a percorrer a parte final do caminho para a purificação e felicidade eterna.

    Já me aconteceu estar num local onde nunca estivera antes durante a minha (não muito longa) existência e sentir que tudo o que me rodeava me era familiar. É claro que este facto se relaciona com algumas descrições que já me foram feitas ou até mesmo com algumas experiências anteriores neste "Mundo" e que, por terem características tão idênticas, regressam à minha memória. Daí que não acredite que este conhecimento do que estou a presenciar provenha de uma existência anterior, até porque muitas vezes isso me acontece em relação a ambientes novos e que surgiram muito recentemente, pelo que é impossível que tenham existido anos anteriores.

    É claro que concordo que conhecer é recordar, mas recordar as experiências desta existência e não as Formas do Mundo das Ideias. E é com base nestas experiências e sensações que vou construindo o meu ser da forma que melhor me aprouver e que melhor se adapte à sociedade em que me insiro.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    As ideias

    Este argumento é outra Prova Gnosiológica uma vez que tem por assunto de debate as ideias enquanto objecto de pensamento. Aqui, Sócrates vai fazer a distinção entre as realidades compósitas que, por serem isso mesmo, são susceptíveis à decomposição e, como tal, à dissipação; e as coisas simples ou incompósitas que, por não terem partes, também não se podem decompor nelas, daí que não se dissipem nem se desagreguem.

    Sendo assim, os entes complexos ou compósitos são aqueles que estão em constante mudança e nunca permanecem idênticos, enquanto que os simples são os que se mantêm constantes e idênticos a si mesmos. Como tal, Sócrates vai associar as coisas compostas às coisas visíveis, ou seja, ao sensível que se encontra em constante devir, e as coisas simples às coisas invisíveis que, por não se alterarem, são puras e eternas, e porque não são perceptíveis aos nossos sentidos; só através do pensamento conseguimos aceder-lhes. A ideia é o fundamento do ser (pelo que as ideias tenham uma dimensão ontológica) e o princípio de todo o saber verdadeiro; conhecer é apreender a Ideia, "é voltando-se sobre si mesmo, que o espírito levará à luz do saber a verdade que dormita nele e que está apenas esquecida".

    Vamos ver novamente uma transposição do argumento para as realidades que são o corpo e a alma. Com efeito, o corpo, sendo visível e complexo/compósito, é susceptível à dissipação, facto que deveremos temer; a alma é a realidade invisível e, como tal, simples e incompósita, pelo que se mantenha do mesmo modo e "se dirige para o que é puro e eterno, para o imortal e que permanece sempre o mesmo" assim que o corpo sucumbir.

    Sócrates prossegue, dizendo que, enquanto a alma e o corpo continuam unidos, "cabe ao corpo por essência obedecer e à alma por essência comandar". Por aqui, podemos ver a posição de Sócrates relativamente à Natureza da alma; ou seja, ela assemelha-se ao divino e tende para ele.

    Assim sendo, toda a alma que se afastou do corpo repugnando os seus prazeres, mantendo-se num total estado de pureza vai para o lugar que lhe pertence, para o que lhe é semelhante. Pelo contrário, aquela que serviu o corpo que o amou, não se interessando por chegar às Ideias, ou seja ao que é invisível e puro, não tem lugar, com toda a certeza, no Inteligível pelo que fique à espera de um corpo que a aceite de novo à vida.

    Sócrates ressalta, mais uma vez, o papel da Filosofia no percurso da purificação que a alma deverá fazer se quer habitar para sempre no Hades. Com efeito, o filósofo é aquele que por trabalhar com as Ideias e com o invisível se afasta do sensível e corpóreo. A alma do filósofo sabe, então, que "enquanto viver, deve, guiada pelo raciocínio e cingindo-se sempre a ele, acalmar as paixões e não afastar os olhos do que é verdadeiro, divino e superior à opinião, e que, depois da morte, há-de ir para o que tem afinidade e que lhe é semelhante, livre já dos males que atormentam o homem". 

    Este argumento leva-me a questionar sobre a natureza da alma. Se para Sócrates a alma é sempre pura porque é invisível e, como tal, se assemelha ao divino, como se explica que tenha de haver um trabalho árduo da nossa parte em afastarmo-nos de tudo quanto é sensível e nos dedicarmos, por inteiro, à Filosofia que trabalha somente com as ideias, desprezando o visível e o corpóreo? A alma, sendo da mesma natureza do divino, deveria ser capaz ela mesma de atingir as Ideias sem nos obrigar àquele esforço que a Filosofia, aos olhos de Sócrates, pressupõe; isto é a abstracção do real e das coisas corpóreas. Ou serão alguns corpos tão fortes que conseguem tornar impuro aquilo que é, por essência, puro e divino? Pelo que a alma tenha de iniciar um percurso que a conduza (novamente) à purificação.

    Mais uma vez não ficou totalmente provada a imortalidade da alma, ou isso só acontece com as almas dos filósofos? Penso que com este argumento foi, quando muito, apenas provada a imortalidade da alma filosófica que, poderíamos nós afirmar, trabalha, por essência, com as Ideias, desprezando tudo o que é corpóreo.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    Sócrates e as Ciências Naturais

    Sócrates começa por fazer referência a uma história que se passou com ele quando ainda moço em que foi à procura da origem de todas as coisas através de uma "investigação da Natureza", mas chegou à conclusão de que como está tudo em constante mutação não se consegue atingir a verdade absoluta.

    Sempre que Sócrates procurou, através da Natureza, respostas para a criação dos próprios seres, notou que o que obtinha eram cada vez mais respostas e mais contradições. Isto porque, e foi esta a conclusão a que chegou, procurando na Natureza as causas  primeiras dessa mesma Natureza o que se obtém é um conjunto de respostas satisfatórias, tudo é verdade. Sendo assim, não é nas Ciências Naturais que estão as respostas, e a pergunta subsiste "Como é que aparecem e desaparecem os seres?". O que Sócrates encontrou foi a escuridão.

    Não é nos seres que encontramos as suas causas uma vez que eles são consequência dessas mesmas causas. Como tal, temos que procurar as causas  nas próprias causas, ou seja, nas Ideias.

    Com efeito, Sócrates opta por abandonar o Mundo Sensível refugiando-se nas Ideias. Uma vez que só através delas é que as causas e a verdade absoluta estão ao nosso alcance. É então feita nova apologia à Filosofia enquanto "exercício de morrer e estar morto"; ou seja, é através do esforço de abstracção de tudo quanto é sensível que a nossa alma consegue chegar à verdade absoluta, às causas, às Ideias.

    Uma outra razão que faz com que Sócrates recuse a Ciência relaciona-se com o facto de a Ciência, por ser isso mesmo, não fazer juízos de valor a respeito do que deve ser mas procura, antes, conhecer aquilo que é. Daí que ela seja um elemento quantitativo mais do que qualitativo.

    Sócrates estava preocupado com a instituição do ensino entre os cidadãos de Atenas, mas defendia um ensino baseado na valorização das Ideias e da Moral, pelo que tenha recusado a Ciência, já que ela procurava o que era e não o que deveria ser. A Moral é também uma forma de purificação e, como tal, defendida por Sócrates.

    Ao contrário dos seus antecessores, os Pré-Socráticos, que procuravam saber e conhecer aquilo que é, ou seja, aquilo que muda e está em constante devir, Sócrates preocupou-se com aquilo que deve ser e com a educação dos cidadãos atenienses, chamando a atenção para a Moral como forma de purificação.

    A Matemática, apesar de ser uma ciência, recebe o aval de Sócrates e de Platão uma vez que trabalha com as ideias e funciona, como tal, como uma ponte entre o sensível e o inteligível. A Matemática exige, ainda, uma grande capacidade de raciocínio. Sendo assim, se formos bons a Matemática, então estamos aptos a trabalhar com a abstracção e, deste modo, a chegar mais facilmente às Ideias.

    A Matemática tem, então, um papel propedêutico para chegar ao Mundo Inteligível e dos Seres Perfeitos.

    Platão repugna-se com o mau uso que é dado à Matemática, na medida em que o uso sensível desta ciência é uma forma de a subverter, ou seja de a trazer do Inteligível ao Sensível. 

    Esta sua posição seria, na sociedade de hoje, completamente ignorada na medida em que a ciência é, actualmente, o centro e causa de todo o desenvolvimento a que temos vindo a assistir. Com efeito, muitos filósofos falam na Morte de Deus, já que foi a ciência que passou a dar as respostas ou a resolver os problemas, anteriormente requisitados à transcendência.

    É um facto que é a ciência que nos proporciona uma vida facilitada, em termos de comunicação, trabalhos domésticos, entre outros. E sem ela nunca teríamos chegado onde chegámos, mas permaneceríamos na pré-história. A Matemática foi a grande aliada das Ciências Naturais, na medida em que só ela é entendida por todos e tornou-se na linguagem universal no estudo do real, daquilo a que Platão chama Mundo Sensível.

    "Se não fosse a Matemática, o que é que poderíamos comunicar? A Matemática é o único meio de comunicação possível" (Público de 11/91).

    A mim, fascina-me tudo aquilo que a Ciência inventou e faz, mas não me dá gosto estudá-la, nem aprendê-la ou descobri-la. Interesso-me muito mais pelas Ciências Humanas que estudam os comportamentos e atitudes do Homem no mundo da técnica em que está envolvido. Assim sendo, concordo com Sócrates, até um certo ponto, ou seja até à apologia que ele faz da filosofia como esforço de formular questões que se relacionam com a nossa existência neste Mundo e em relação com o outro. O ponto em que discordo relaciona-se com o facto de ele não "autorizar" o uso sensível que se faz da Matemática. Sem ela não saberíamos contar nem saberíamos fazer as medidas necessárias  à construção das nossas próprias habitações, e às de Sócrates e Platão também!
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    O Século XX e as Reencarnações

    "A Teoria da Reencarnação está cada vez mais em moda nos Países Ocidentais. Com efeito, 23 por cento dos portugueses acreditam na transmigração das almas, e o mesmo acontece com 21 por cento dos espanhóis, 20 por cento dos italianos e um quarto da população francesa. Esgotam-se os livros sobre o assunto. O que revela uma necessidade imperiosa de acreditar em qualquer coisa a que as Igrejas já não conseguem dar resposta."

    Porquê esta atracção pela transmigração das almas no velho continente?

    Acreditar na Reencarnação é deixar a alma livre para que depois da morte ela possa escolher ir para onde quiser, o que implica que as vidas futuras variem conforme os desejos. Esta ideia é também defendida por Monique, iconógrafa, de 52 anos e antiga católica que afirmou "a Reencarnação deu-me finalmente uma lógica para a vida. Quando se morre, a alma deixa o corpo físico e parte para umas férias grandes. Aí, uns ‘seres guias’ desencarnados mostram-nos as possibilidades de vida. A seguir, faz-se o balanço da vida passada e decidimos onde vamos reecarnar: por exemplo, numa família pobre para aprender a humildade se pequei por orgulho numa vida anterior". A reencarnação torna-se, desta forma, numa crença adaptada  à sociedade actual formada por indivíduos preocupados em manter a sua liberdade de escolha. Com efeito, o homem moderno é juiz de si próprio o que lhe permite fazer a sua própria escolha de uma vida futura.

    Para outros, a reencarnação tira a angústia da existência, dando sentido às injustiças cometidas durante as vidas anteriores. De facto, e de acordo com aqueles que concordam com esta ideia de justiça subjacente  à reencarnação, nós reencarnamos de acordo com as nossas existências anteriores; isto é, se praticamos o Bem então teremos, após a morte, uma vida feliz e próspera. Só assim se explicam as diferenças que existem entre os homens.

    A vida é a escola da alma, afirmam os crentes ainda ligados às antigas Igrejas. É nesta Escola que a alma progride passo a passo até chegar à realização espiritual plena, ou seja, até atingir um determinado grau de pureza.

    Várias sondagens  realizadas chegaram à conclusão de que cada vez mais crentes se sentem atraídos por esta doutrina da reencarnação na medida em que, pelo facto de terem recebido uma educação  religiosa, estão mais sensibilizados para uma vida depois da morte. No entanto as representações de um outro mundo (Jardim de Éden) já não são aceites uma vez que as pessoas  passaram a procurar as respostas neste mundo.

    Para os mais jovens, a reencarnação é uma crença mais flutuante. Pode acreditar-se num dia e estar-se céptico no dia seguinte. Por vezes, pode-se ficar intrigado por impressão de dejá vue. Estamos assim perante aquilo que Edgar Morin chama, a respeito da Astrologia, uma "crença que se apaga". 

    Recusando  pôr em questão a sinceridade de dezenas de milhares de pessoas que experimentaram as sessões  de hipnose, descobrindo que tinham vivido numa outra vida completamente diferente, alguns investigadores americanos lançaram-se na exploração científica do fenómeno. Vários testemunhos foram já parar-lhes às mãos e alguns bastante perturbadores como é o caso, por exemplo, de crianças de diferentes regiões que evocam, espontaneamente,  acontecimentos, lugares e pessoas que nada têm a ver com a sua existência actual. Os partidários da Reencarnação  não apresentaram estes trabalhos como provas científicas.

    A dúvida persiste: "quais serão as outras hipóteses capazes de esclarecer estes fenómenos?". As respostas são variadas:
     

  • uns dizem que estes fenómenos provêm das personalidades múltiplas da pessoa, isto é, problemas de identidade tendo várias personalidades que uma a uma, em alternância, vão controlando o psíquico;
  • criatividade imaginária, nos casos induzidos pelas técnicas de relaxamento ou hipnóticas;
  • foram já apresentadas várias encarnações de Cristo, facto que vários psicólogos explicam como sendo jogos de faz-de-conta projectados pelo inconsciente, durante os quais o doente revive experiências pessoais profundas;
  • os budistas têm como válida a ideia de que os vários agregados psíquicos do ser humano, quando este sucumbe, dispersam-se e transmigram para várias crianças acabadas de conceber.

  • Como se pode depreender, nenhuma destas hipóteses é definitiva ou funciona como uma resposta certa para o problema da reencarnação que ganha, nos nossos dias, mais adeptos. 

    A psicanalista Elisabeth Roudinesco afirmou que:

    "Ir procurar em vidas anteriores a origem dos males da vida presente, é negar um século de psicanálise e, mais genericamente, todo o saber psíquico, filosófico e médico que permitiu mostrar que se podia encontrar a origem das patologias na história pessoal do indivíduo. Quanto à reencarnação, podemos também investigar a sua aplicação social e política e ver como a Índia continua a legitimar o sistema de castas. O Indivíduo só pode progredir se tomar consciência que as suas dificuldades vêm dele e da sociedade, e não podem ser resolvidas senão por iniciativas terapêuticas ou sociais. Temo que o desenvolvimento desta crença no Ocidente constitua, sobretudo, uma enorme fuga face aos problemas reais concretos, actuais e urgentes que temos de resolver".

    De tudo isto que foi afirmado aqui, podemos falar na modernidade da obra de Platão que aborda exactamente o tema com que as sociedades actuais se debatem.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    Conclusão - Algumas Reflexões

    Ninguém fica indiferente ao Fédon, e o mesmo se passou comigo. Antes de o ler, acreditava que a nossa vida era esta e acabava assim que o nosso corpo morresse, já que com ele morreríamos nós também, a nossa essência, o nosso eu.

    O Fédon abriu em mim novas portas e novas perspectivas relativamente à alma mas até que ponto é que acredito que ela é imortal é que já tenho algumas dúvidas. Esses problemas são, então:
     

  • Se a alma é imortal, então para onde vai? Irá vaguear por aí sozinha sem destino definido? ou, pelo contrário, irá para um local como o paraíso de Ellie (do filme Contacto)?
  • E se a alma for mortal? Morre assim que o corpo morrer, desaparecendo uma identidade completa, talvez lembrada pelos filhos e netos, mas depois disso... 

  • O que a obra fez foi despertar-me para esta questão e para uma crença que deverá existir em nós pois só ela dá lugar às reflexões acerca de tudo o que nos rodeia. Neste caso, a morte e a possível perenidade da personalidade/alma. São estes nossos sonhos e reflexões que vão fazer com que ponderemos sobre aquilo que nos espera, sobre o futuro e que nos levam a tornar as coisas o mais agradável possível. Como diz o poeta "Quando  o homem sonha o Mundo pula e avança". Assim sendo, aqueles que acreditam que a vida e existência acabam no exacto momento da nossa morte, têm como grande objectivo tornar os seus dias felizes, na companhia de quem gostam e a fazer o que gostam. É essa a sua grande preocupação, ou pelo menos deverá ser. Pelo contrário, aqueles que, tal como Sócrates, acreditam numa vida melhor para além da morte, o seu dia-a-dia torna-se mais descansado tendo como preocupação mínima a prática do Bem que os conduzirá a essa tal vida mais feliz e pura.

    Quanto a mim, penso que me insiro nas duas perspectivas, na medida em que não sei em que acreditar. Se uns dias acredito plenamente na transcendência e numa outra existência para além da morte, outros dias sinto-me como um pedaço de vida (um ser com vida) com consciência que anda aqui porque tem de ir à Escola, porque quer tirar um curso de Direito e porque também quer, tal como os seus pais, construir uma família, ser feliz e ter uma vida pouco agitada, assim como lhe ensinaram.

    O Fédon funcionou, então, como um despertar de consciência  para uma possível realidade que é a imortalidade da alma. Não quero com isto dizer que sou uma fiel seguidora de Sócrates e de Platão e que acredito em toda a sua argumentação e teoria. O que pretendo afirmar é apenas que novos problemas me foram colocados  e com os quais não me preocupava muito.

    Toda esta situação criou em mim uma grande confusão por já não saber em que acreditar ou que tese seguir. Talvez se acreditasse em Deus, a ideia de que depois da morte teremos uma nova vida consoante os nossos actos na Terra seria por mim mais bem aceite. Mas, não tendo qualquer religião em que acreditar, caminho um pouco às escuras, pois não tenho mais nada a servir de ponto de partida que não seja a minha própria existência e tudo aquilo que ela já me ensinou.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
    Bibliografia

    PLATÃO, Fédon, Colecção Filosofia-Textos nº 4, Porto Editora,1995. 

    MESQUITA, ANTÓNIO PEDRO, Fédon, Platão, Temas de Filosofia, Texto Editora, 1995. 

    CHATELÊT, FRANÇOIS, Platão, Colecção Substância Rés, Dezembro 1997. 

    ROBIN, LÉON, Platon, Paris, 1935. 

    MAIRE, GASTON, Platão, Biblioteca Básica de Filosofianº4, Edições 70, 1991. 

    GAARDER, JOSTEIN, O Mundo de Sofia, Uma Aventura na Filosofia, Editorial Presença, Março de 1996. 

    NORA, K.; VITTORI, HOSLE, O Café dos Filósofos Mortos, Círculo de Leitores, 1997. 

    NOTÍCIAS MAGAZINE, 9 de Março de 1997. 

    APONTAMENTOS das Aulas da Disciplina de Filosofia, de 1997/98.
      


    [VOLTAR AO ÍNDICE]
     


    Os meus agradecimentos, também, ao professor da Ana Raquel, o Dr. Jerónimo Costa,.


     
    O mocho
    Página inicial d'
    O Canto
    da Filosofia
    Com prazo
    de validade
    Índice geral
    dos recursos
    de Filosofia do
    12º ano



    FC - LinkExchange