O meu Dicionário Filosófico
de Fernando Savater
Em princípio um dicionário
é um livro de consulta. Quando temos um trabalho, um problema, uma
dúvida, vamos lá. O que é surpreendente neste O
meu dicionário filosófico [ver dados
bibliográficos] de F. Savater
é que ele subverte completamente esta ideia: este livro não
é para consultar -- é para ler. Ler até à consumição
final. Podemos até "mordiscá-lo" aqui e ali. Mas, cuidado!,
pode ficar-se agarrado, esquecer encontros ou, pior, remeter para longe
os trabalhos de casa.
Trata-se portanto de um livro pouco
académico. Mesmo por isso menos sábio. O autor,
que aliás cumpriu todo o percurso académico e é
doutorado em Ética e catedrático
na Universidade Complutense de Madrid, é muito crítico
relativamente ao academismo. Este, se não mata, torna muitas
vezes o pensamento dormente. E Savater cultiva um pensamento enérgico,
interpelante, corrosivo, alegre.
Começa este pessoalíssimo
dicionário com a palavra-conceito alegria. Não por
razões meramente alfabéticas. Mas porque a alegria, ao contrário
do que muitos julgam, é uma tarefa eminentemente filosófica.
Mas muitos outros são os assuntos. Sempre tratados com lucidez,
amor e humor. Com clareza e simplicidade (não simplismo). Escreve
sobre desporto, dinheiro, Deus,
sedução, erotismo
e até sobre a estupidez -- característica muito universal
entre nós humanos e da qual ninguém está completamente
imune.
Convoca filósofos
célebres. Entre eles Espinosa,
um filósofo holandês, judeu, de origem portuguesa. Talvez
o filósofo que Savater mais ama.
Mas de todas as entradas
deste singular e precioso dicionário, há uma que escolheríamos,
por ser tão antipedagógica quanto sedutora para jovens à
procura de emoções fortes e de uma vida em cheio. Não.
Não se trata de dinheiro nem de droga nem de livre circulação
de preservativos. Trata-se de algo mais poderoso: LER (2) (p. 208-210).
Depois de algumas razões apresentadas, dificilmente refutáveis,
Savater termina desta maneira sublime: "Talvez só por isso valha
a pena existir, para ler um livro, para ver os imensos horizontes de uma
página. A terra, o céu? Não, apenas um livro. Por
ele, muito bem se pode viver".
Atrevam-se portanto! Não
tanto para saberem mais, serem mais cultos, terem melhores notas, surpreenderem
os professores. Mas sobretudo para existirem mais. Serem mais.
Um dia, passeando com uns
amigos por Barcelona, vi na bancada de um poeta de rua um pequeno cartaz
que apontava 10 boas razões para ler um livro. De uma delas jamais
me esquecerei: É muito mais barato que um iate! Experimentem!
Se ficarem "agarrados", não digam que não vos avisei! |